Entre as queixas contra as administradoras estão taxas bancárias, sindical e até seguro-desemprego
Arquivo digital, boleto, seguro, contribuição a sindicato, impostos... Cobranças mal explicadas, sem aviso prévio e até irregulares estão surgindo nos boletos dos condomínios, aumentando a já alta despesa dos moradores com o serviço. O professor Ricardo Fonseca diz que uma conta de R$ 390, para pagar o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e Condomínios do Rio (Secovi), apareceu na fatura sem autorização ou aviso, no boleto da Quality House, que administra seu condomínio:
— A administradora alega que essa cobrança está na lei, mas um advogado tributarista que consultamos afirmou que é indevida porque o condomínio não tem fins lucrativos.
A aposentada Beatriz Corrêa pagou por três meses uma cota, no valor de R$ 9,90, cobrada pela Apsa, administradora do seu prédio, na Tijuca, sem saber que se tratava de um seguro contra desemprego. No boleto, a cobrança era discriminada como “cota protegida”:
— Pedi explicação à administradora e me disseram que era um seguro-desemprego. Mas sou aposentada, não preciso nem pedi nada. A cobrança veio pela quarta vez este mês, e terei que pagar, já que está no mesmo boleto do condomínio. É um absurdo.
Janaina Alvarenga, coordenadora de Atendimento da Associação de Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania e do Consumidor (Apadic), afirma que a empresa violou o princípio da boa-fé por realizar uma cobrança que não foi autorizada e sem clareza na oferta. Ela ainda acrescenta:
— A empresa deve devolver o valor corrigido e em dobro.
Especialista em mercado imobiliário, o advogado Renato Anet, vai além. No caso de Beatriz, está configurada a venda casada, o que é proibido.
A Apsa informou que ofereceu o seguro à cliente e aos demais moradores por meio de carta e boleto em separado da taxa condominial. Segundo a empresa, trata-se de um seguro de vida, com indenização em caso de perda de renda ou desemprego, que cobre a taxa condominial. A empresa disse que outra pessoa teria pago o boleto avulso, sem o conhecimento da moradora, mas Beatriz nega essa informação. A Apsa diz que cancelou o seguro e fez o estorno do valor pago.
O caso do professor Ricardo Fonseca envolve outras entidades e reflete a falta de transparência nas cobranças embutidas nas faturas. A administradora afirma que apenas cobra e repassa os valores ao Secovi-Rio. De acordo com o presidente do sindicato, Pedro Wähmann, as contribuições são devidas pelos integrantes da categoria, sejam condomínios ou empresas de compra, venda, locação e administração de imóveis. Wähmann explica que o repasse está previsto no artigo 578 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O diretor da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Marcelo Borges, reforça que a cobrança destinada ao sindicato não é irregular, mas que cabe à administração do condomínio decidir se quer, ou não, associar-se ao sindicato.
Fonseca cita outra conta que também não foi bem explicada aos condôminos: assinatura digital. A cobrança refere-se ao pagamento de um serviço para armazenar informações na “nuvem”, ou seja, na internet. No ano passado, custou ao condomínio R$ 600.
— Este ano, vão cobrar de novo, sem qualquer informação sobre a taxa. Em maio apareceu também uma tarifa bancária, de R$ 55, sem explicação.
Além da cobrança ser questionável, o valor pago pela assinatura digital também suscita dúvidas. Os moradores de um edifício na Barra da Tijuca acham alta a taxa de R$ 60 por mês para o condomínio, ou R$ 720 por ano. Uma pesquisa na internet mostra que um plano para armazenar até um terabyte (mil gigabytes) custa US$ 100 por ano (cerca de R$ 320).
O texto dessa reportagem em um arquivo de Word, por exemplo, usa 58 KB. Ou seja, um terabyte seria suficiente para armazenar mais de 18 milhões de documentos com esse tamanho. Seria também capaz de guardar mais de 1 milhão de fotos em alta resolução de 1 MB.
Rogério Quintanilha, consultor de gestão, especializado no setor, afirma que é proibida a cobrança de boletos do consumidor, mas é permitida a negociação entre condomínio e administradora:
— É uma questão da negociação. Na maioria dos contratos, esse custo será repassado.
COBRANÇAS DEVEM ESTAR NO CONTRATO
As taxas são difíceis de entender, principalmente quando aparecem na mesma fatura três cobranças diferentes de PIS/Cofins. Segundo o consultor Quintanilha, foi exigido dos condomínios que retivessem o PIS/Cofins dos prestadores de serviço. A administradora cobra por reter e repassar esses recursos para o Fisco. A segunda cobrança é o próprio repasse do imposto ao Fisco, que aparece na fatura como uma taxa a mais. A terceira cobrança é o PIS/Cofins dos funcionários do prédio:
— Há uma crescente preocupação em tornar mais claras as faturas — diz Quintanilha.
Segundo o especialista Rento Anet, taxas relativas a despesas com cobranças estariam inclusas no valor pago à administradora e não deveriam ser cobradas de novo. Anet recomenda que se verifique se o contrato firmado prevê a cobrança:
— Se não estiver prevista, é ilegal, e os valores deverão ser devolvidos. Isso também vale para o armazenamento digital. Mesmo que esteja previsto no contrato, o condomínio pode renegociar esse valor se achar que está abusivo.
A Apsa, que cobra boleto e arquivo digital, informou que as taxas estão previstas em contrato.
Para Alexandre Frigério, gestor de relacionamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a questão é a falta de transparência:
— O Código de Defesa do Consumidor garante ao cliente o direito à informação clara.
O advogado especialista em direito imobiliário Hamilton Quirino diz que o condômino que se sentir lesado tem o direito de pedir cópia de extratos, de notas fiscais, balancetes e esclarecimentos. E acrescenta que a hora da contratação é crucial, e que, dependendo da complexidade, pode ser necessária assessoria jurídica.
Secovi e Abadi têm comissões de conciliação e serviço para tirar dúvidas de representantes dos condomínios.