?Não tínhamos dinheiro?, diz moradora após golpe de síndico no RS
A fraude dos condomínios no Rio Grande do Sul revelou desvios praticados por síndicos, propina e as mais variadas negociatas conforme reportagem exibida no Fantástico. E quem paga a conta são os moradores, enganados por quem mais confiavam: uma espécie de administrador do prédio onde vivem.
O Rio Grande do Sul tem mais de 25 mil condomínios, onde existem 700 mil moradias. Em taxas de condomínios, são movimentados R$ 3 bilhões de reais por ano no estado.
Em Capão Novo, no Litoral Norte, o síndico de um condomínio, suspeito de aplicar golpes em pelo menos oito edifícios, sumiu, e a administradora que ele comandava fechou as portas sem explicação (veja a reportagem completa no vídeo acima). Foi o que revelou no domingo (12) a reportagem produzida pela RBS TV.
Em um dos condomínios, os moradores pagaram por três anos uma taxa extra que seria destinada à reforma da fachada. Porém, a obra nunca aconteceu.
“Quando nós vimos, nós não tínhamos dinheiro nenhum”, diz a aposentada Regiane Mader.
A suspeita é que o desvio possa chegar a R$ 500 mil. “E quem está pagando essa conta? Somos nós. Vamos ter que triplicar o valor do condomínio pelos próximos 60 meses", reclama a professora aposentada Mara Caldas.
O síndico João Francisco Flores Candiota desapareceu. Ele também era dono da administradora de condomínios Kimar, que fechou as portas, desviando o dinheiro de vários condomínios.
"É pior do que entrar na nossa casa e roubar. Porque esse rouba a nossa confiança", desabafa a moradora Marlene Aurélio.
Os condôminos procuraram a polícia para denunciar que a administradora apresentava extratos falsos indicando os valores supostamente existentes na conta bancária. Mas ao verificar no banco, o extrato original mostrava saldo zero.
"Quando vimos, nós não tínhamos dinheiro nenhum. Eu comprei uma casa e adquiri uma dívida que eu não estava contando", afirma a aposentada Regiane Mader, referindo-se à taxa extra que terá de arcar no boleto do condomínio.
O síndico e dono da administradora está desaparecido. Nem a polícia consegue localizá-lo.
Empresários confirmam fraudes em Porto Alegre
Em Porto Alegre, o ex-síndico Lenar Pereira teria realizado as compras no estabelecimento com o cartão de débito de um condomínio no bairro Guarujá, na Zona Sul da capital. Ele foi indiciado pela polícia e denunciado pelo Ministério Público por apropriação indébita, crime que prevê pena de até quatro anos de prisão.
"Tem relojoaria, tem compra de um lustre que não foi localizado no condomínio. Tem sex shop, uma nota de sex shop", lista a delegada Áurea Regina Hoeppel.
A reportagem também mostrou manobras dos síndicos para conseguir dinheiro, com serviços contratados por eles, como jardinagem, reformas e pintura, pagos com o recolhimento das chamadas taxas de condomínio, obrigatórias a todos os moradores. Cabe ao síndico contratar os fornecedores. Muitas vezes, porém, ele só contrata se receber propina.
É o que denuncia um empresário de Porto Alegre, dono de uma empresa de portaria. “Acontece em limpeza de caixa d’água, cortar grama, manutenção predial, pintura de prédio, higienização. É o que mais ocorre”.
O mesmo esquema se repete na área de sistemas de segurança, como câmeras, portões eletrônicos, cercas elétricas, revela outro empresário do ramo. “Vários orçamentos foram feitos e não foram aprovados. E aí eu voltei a procurar um síndico, dois síndicos e eles falaram assim: ‘Não tá aprovado porque tu não fez a gente sorrir ainda, né?’. [Eles pedem] no mínimo 30% do valor do orçamento. No mínimo, tem muitos que chegam a pedir 50, 60%”, revela.
Repórter gravou negociatas
Para comprovar os esquemas, o repórter Giovani Grizotti se fez passar por síndico e gravou negociatas com fornecedores. Na capital gaúcha, abordou um eletricista, que afirma pagar propina de 20% a síndicos. Já para zeladores o percentual é um pouco menor.
"O zelador quando indica a gente é mais ou menos 10%", afirma o eletricista, que diz conseguir até os três orçamentos, exigidos pela maioria dos condomínios, antes de fechar os contratos.
Dica é observar atos do síndico
A principal dica de especialistas é fiscalizar os atos do síndico, exigindo a prestação de contas e participando das assembleias. “É onde as grandes decisões são tomadas e ali que ele tem que participar e dar sua opinião. Isso é uma coisa importante, porque depois, quando acontecem as coisas, não dá pra se queixar”, afirma o presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de imóveis e Condomínios do estado (Secovi/RS), Moacyr Schukster.
O auditor João Carlos dos Santos Junior ressalta para os moradores ficarem atentos ao comportamento do síndico. “Aquele síndico que ele se sente um pouco o dono do condomínio. Ele não é participativo com o conselho, os demais condôminos, ele se nega a dar informação aos condôminos, é rude. Esse é o síndico que precisa prestar muita atenção”, orienta.
Contraponto
A reportagem da RBS TV tentou falar com João Francisco Flores Candiota, que não foi localizado. Também se tentou falar com ele pelas redes sociais para pegar a sua versão. Ele recebeu os recados, chegou a ler, mas não retornou.
A reportagem também tentou ouvir Lenar Pereira, que atendeu a ligação, mas se recusou a falar sobre o assunto.