Veterinária, especialista em silvestres e advogado explicam quais cuidados, registros e regras garantem uma convivência tranquila com espécies exóticas em ambiente urbano
Cristina Cruz
A criação de animais silvestres e exóticos em condomínios ainda levanta dúvidas e discussões, mas, desde que respeitadas a legislação ambiental e as normas internas dos edifícios, a prática é permitida e pode ocorrer de forma segura e responsável. Em um cenário cada vez mais urbano, com famílias vivendo em apartamentos, é natural que a escolha de pets vá além dos cães e gatos — o que exige atenção redobrada por parte dos tutores, síndicos e vizinhos.
ÍRIS, A GECKO DO APARTAMENTO
A médica veterinária Gabriela Sales, de 28 anos, é tutora da Íris, um leopardo gecko criado legalmente dentro de seu apartamento. A espécie, originária da Ásia e muito comum em criadouros especializados, chama atenção pela aparência exótica, coloração marcante e comportamento tranquilo. A escolha de Gabriela foi consciente.
“Comprei em uma loja legalizada. A gente escolheu o leopardo gecko por conta da questão de ser um animal de manejo mais tranquilo do que os outros lagartos. Ele é um animal calmo, dócil, se alimenta duas ou três vezes na semana, é bem mais tranquilo de cuidar”, explica.
Íris vive em um terrário climatizado, adaptado com substrato, tocas e elementos naturais que imitam seu habitat. A alimentação é composta por insetos vivos. “Tem ração hoje em dia, mas é muito difícil fazer um leopardo gecko se acostumar com a ração, porque normalmente eles gostam de animais em movimento para se alimentar. Então, ela come principalmente barata, grilo e tenébrio, que são umas larvinhas”, detalha.
Com hábitos noturnos, Íris fica acordada durante a noite e dorme durante o dia. “Ela dorme normalmente na toquinha aquecida quando está frio ou embaixo de um tronquinho que ela tem aqui, quando está mais calorzinho e ela não precisa controlar tanto a temperatura dela. A adaptação foi tranquila, porque ela já era um animal muito manipulado por pessoas. A Íris é um animal dócil, que aceita a gente pegar tranquilamente.”
Segundo a veterinária, o único ponto inicial de estranhamento foi o reflexo no vidro do terrário. “Ela se olhava no vidro, então achava que era estranho, que tinha outro gecko. Mas logo isso já ficou tranquilo e ela se adaptou. A alimentação também foi bem tranquila, porque lá na própria loja ela já se alimentava da mesma forma que a gente dá aqui.
Gabriela destaca ainda os cuidados diários: “Temperatura e umidade controladas, água disponível, pedra de aquecimento, limpeza constante. No mais, enriquecimento ambiental com tronco, substrato, toca, porque é um animal com hábitos de se esconder, então durante o dia ela fica mais escondidinha.”
Apesar de o réptil despertar curiosidade ou até medo em algumas pessoas, Gabriela nunca teve problemas no prédio. “No condomínio, eu nunca tive problemas ou conflitos”, afirma.
O QUE DIZ A LEI
De acordo com o advogado Eduardo Rachid, especialista em direito condominial, a convivência entre moradores e animais silvestres ou exóticos em condomínios é possível, desde que siga critérios legais. “O morador deve ter a documentação de origem regular do animal, aprovada pelo Ibama, e garantir que a presença do pet não cause prejuízo à saúde, segurança ou sossego dos demais condôminos”, afirma.
Os animais silvestres são aqueles que vivem na natureza ou foram retirados dela há poucas gerações, como passarinhos, papagaios, calopsitas, corujas, cobras, jabutis e macacos. Já os exóticos são os que não pertencem à fauna brasileira, como o furão, de origem europeia. Ambos estão sujeitos à regulação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Rachid ressalta que o condomínio pode criar regras próprias sobre a presença desses animais. “O importante é que o tutor esteja ciente de que o condomínio tem autonomia para estabelecer regras internas e que essas regras, desde que aprovadas em assembleia, devem ser cumpridas. O condomínio poderá estabelecer regras específicas sobre o tema, respeitando sempre os direitos individuais e o bem-estar coletivo. Não se trata de proibir, mas de garantir uma convivência segura e harmoniosa entre todos os moradores”, afirma.
Um Projeto de Lei em tramitação no Senado, o PL 267/2024, busca organizar essa relação. “A proposta obriga o síndico a criar uma norma, aprovada em assembleia, para que os moradores comuniquem formalmente à administração sobre a guarda de animais silvestres. Além disso, será necessário apresentar toda a documentação do animal logo após a sua chegada”, explica Rachid.
BEM-ESTAR É PRIORIDADE
A médica veterinária Rayres Gracia, mestre em animais silvestres, reforça que não basta estar legalizado: é necessário garantir qualidade de vida ao pet. “Cada espécie tem necessidades específicas. Um veterinário especializado deve acompanhar a rotina do animal para garantir sua saúde”, afirma.
Segundo ela, mesmo animais considerados domésticos, como coelhos, calopsitas, porquinhos-da-índia e periquitos, exigem atenção. “Para esses animais, não existe uma documentação específica exigida, mas é importante que o tutor guarde a nota fiscal de compra. Cada estado também possui uma legislação própria sobre a comercialização e o transporte desses pets.”
Já para animais silvestres e exóticos, o caminho é mais rigoroso. “Devem ser adquiridos por meio de criatórios comerciais legalizados. Nesses casos, o animal vem acompanhado de registro, identificação, anilha ou microchip, dependendo da espécie.”
Rayres também alerta que o ambiente urbano nem sempre é ideal. “Espaços pequenos, excesso de ruído ou falta de estímulos podem causar estresse. Por serem mais sensíveis, esses animais são mais suscetíveis ao estresse. De forma geral, todos os animais devem ter espaço suficiente para expressar os comportamentos esperados da espécie, de modo a não serem privados do bem-estar. Embora algumas espécies exijam menos espaço que outras, todas necessitam de um ambiente adequado às suas necessidades naturais.”
Ela destaca ainda a importância de exames de rotina. “A medicina veterinária avançou bastante e, atualmente, é possível realizar exames como coproparasitológico, hematológicos, ultrassonografia, raio-X, tomografia, entre outros.”
CONVIVÊNCIA POSSÍVEL E LEGAL
A criação de animais silvestres e exóticos em condomínios é uma prática que cresce e se torna cada vez mais viável. Com respeito à legislação, acompanhamento veterinário e regras claras, é possível garantir uma convivência harmoniosa entre tutores, vizinhos e animais — sejam eles nativos ou não da fauna brasileira.