A evolução no entendimento do STJ sobre dívidas de condomínio
Por 4 votos a 1, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça rompeu precedente jurisprudencial que perdurava há alguns anos nas cortes e permitia que a dívida condominial não atingisse as instituições de crédito imobiliário chamadas de credores fiduciários. A situação vinha resultando em um quadro que o ministro Raul Araújo, do STJ, definiu como “esdrúxulo e antijurídico”, uma vez que os precedentes apontavam para a impenhorabilidade do imóvel financiado na sistemática da alienação fiduciária. O condômino inadimplente era o possuidor do imóvel, mas não o seu proprietário. E a instituição financeira era a proprietária do imóvel, mas não sua possuidora.
Nessa equação injusta e incorreta, os condomínios, terceiros na relação financiador-devedor, ficavam a ver navios, sem a possibilidade de penhorar o imóvel e obrigados a ratear as despesas decorrentes da inadimplência entre os demais condôminos. Em voto que abriu a divergência na Quarta Turma, Araújo se valeu da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/94) para sustentar o equívoco da interpretação jurisprudencial que cria um cenário comum em que o devedor quita mensalmente as prestações do contrato de alienação fiduciária do imóvel adquirido, mas não paga as taxas condominiais, as quais por sua vez não são assumidas pela instituição financeira que se julga imune a tal obrigação. Trata-se, evidentemente, de um círculo vicioso. E pernicioso.
Para o ministro, a norma que se aplica na relação proprietário de imóvel e inquilino deve ser replicada também no caso dos financiamentos. A obrigação de pagar a taxa condominial e as demais despesas relacionadas ao imóvel (IPTU, luz, água, gás) é de quem dispõe da posse do bem, o que não isenta o proprietário ou o credor fiduciário da obrigação de arcar com as despesas em caso de inadimplência.
O fato desse conjunto de argumentos permanecer inerte, acobertado pela poeira do entendimento pacificado dos tribunais que, até então, manifestavam a impenhorabilidade do bem e a isenção de responsabilidade do credor fiduciário, chegou ao fim no voto de Araújo que abriu a divergência. “Não faz sentido esse absurdo!”, afirmou.A decisão da Quarta Turma do STJ reconhecendo a característica “propter rem”do bem imóvel, expressão em latim que vincula a ele as obrigações presentes e futuras, não representa um enfraquecimento do sistema de crédito imobiliário vigente. Muito pelo contrário. Ao prever a penhora do imóvel financiado para a quitação de dívida condominial, o STJ não só evolui em seu entendimento, mas alavanca o setor imobiliário em um nicho onde os condomínios crescem e aparecem. Trata-se de um fenômeno sem igual no restante do mundo.
Segundo a Associação Brasileira de Síndicos e Síndicos Profissionais (Abrassp), há 450 mil condomínios no país. Neles vivem 68 milhões de pessoas – 1/3 da população brasileira. Complexos residenciais com esse perfil são atrativos porque oferecem segurança, comodidade e serviços diversos que, hoje, ultrapassam o básico e atingem o limite do luxo. Tudo isso exige o rateio de despesas, a fixação de uma taxa de condomínio e o compromisso dos moradores de saldá-la. Se uma peça é quebrada nessa engrenagem, a máquina condominial para. O STJ entendeu que a inadimplência não deve vagar sem rumo nos tribunais. Se o financiado não paga, o financiador deve pagar. Reconhece-se a possibilidade de penhora do imóvel e a possibilidade de o credor fiduciário quitar o débito condominial. É um avanço significativo.
Marcus Vinicius Gomes, advogado, é redator da revista jurídica Bonijuris; André Tallarek de Queiroz, advogado, é diretor-presidente do grupo Condomínios Garantidos do Brasil.