Executivo do iFood recomenda que usuários desçam para receber o pedido; cliente brigou com entregador em Brasília, e motoboys se uniram em buzinaço
O entregador de delivery deveria levar a comida até a porta do apartamento? O iFood finalmente se posicionou quanto a isso, mas só depois de uma polêmica em Brasília, que levou motoboys a fazerem um buzinaço em protesto no último domingo (5). Tanto a empresa quanto os fretistas parecem concordar em um ponto: motoboy não é garçom.
“Não existe obrigatoriedade de o entregador subir nos apartamentos, mas recomendamos que os clientes desçam para receber o pedido”, afirma Leonardo Fabricio, coordenador sênior de branding e valorização do entregador no iFood, no blog oficial da empresa.
O comunicado ainda lembra que isso é uma forma de demonstrar “respeito ao trabalho do entregador ou da entregadora”, além de ser “uma das gentilezas que podemos fazer no nosso dia a dia”.
Essa atitude simples agiliza o trabalho dos entregadores, que só podem pegar um novo pedido após finalizar a entrega do atual. Além disso, nem sempre o/a entregador/a pode subir por não ter onde estacionar sua bike ou moto na rua.
Por sua vez, Alessandro da Conceição, presidente da Amae-DF (Associação de Motofretistas Autônomos e Entregadores de Aplicativo do Distrito Federal e Entorno), diz ao Metrópoles:
“Motoboy nenhum é obrigado a subir no apartamento do cliente. Eles sobem para agilizar a entrega. O próprio aplicativo orienta que os clientes encontrem o entregador.”
“Dizendo que é pra subir e ele não sobe”
Como chegamos até aqui? Bem, um vídeo viralizou no TikTok mostrando um cliente do iFood irritado com o entregador, que se recusou a subir até o apartamento para levar o delivery. Um filmou o outro pelo celular, registrando a discussão.
Para contexto: o iFood pede um código de confirmação – geralmente os quatro últimos dígitos do celular – para garantir a entrega realmente chegou ao seu destino. Nesse bate-boca, o cliente se recusou a passar o código.
Cliente briga com entregador em Brasília
O vídeo continua disponível nas redes sociais, mas decidimos não incorporar aqui para não expor ainda mais o nome do entregador. Abaixo segue a transcrição do que ocorreu:
Cliente: Dizendo que é pra subir e ele não sobe. Não sabe ver o endereço, foi parar na igreja em vez de vir pra cá. Quando chegou, se recusou a subir, e tava lá escrito que era pra subir, que era a opção. Ele não quis falar comigo no interfone, e ainda se recusou a subir. Então aqui, ó, [nome do entregador], vou mandar pro… a reclamação pro iFood.
Entregador: (entrega a sacola) Pode mandar. Me passa o código aí, por favor?
Cliente: (vira de costas e para de gravar) Não vou passar o código.
Entregador: Oxe, passa o código sim, parceiro!
Cliente: Não, não vou, não.
Entregador: Paaaaassa o código! (tira a sacola das mãos do cliente)
Cliente: Roubou da minha mão, aqui, ó!
Entregador: Tá ficando doido, é? Tá ficando doido, é?
Cliente: Roubou da minha mão a comida… vamos lá de novo. (começa a gravar vídeo de novo no celular)
Entregador: Vocês viram aí, né? Falou que não vai passar o código…
Cliente: Roubou da minha mão a comida, eu quis pegar a comida e ele não entregou a comida.
Entregador: Passa o código, pai, pra arrumar pra cabeça não, mano… Tsc.
Cliente: Então ele roubou da minha mão a comida, aí ele vai responder por isso. Pode ficar com a comida, eu peço o estorno. Ele roubou da minha mão a comida, não me entregou, e vai responder por isso agora.
Entregador: Cara… não arruma pra cabeça não, “cumpadi”…
Isso aconteceu no domingo (5) por volta da hora do almoço. À noite, cerca de 150 entregadores se uniram no local e realizaram um protesto que envolveu buzinaço e até fogos de artifício.
Segundo o presidente da Amae-DF, o vídeo gravado pelo entregador gerou “revolta” nos grupos dos motoboys. “O cliente acusou o motoboy de roubo, sendo que ele não quis passar o código”, disse Alessandro ao Metrópoles. O entregador foi instruído a registrar boletim de ocorrência.
“Quase nenhum entregador gosta de subir para entregar a comida”
Esta não é uma reclamação nova. Outros vídeos – como o exemplo abaixo – viralizaram no TikTok mostrando clientes “folgados” que não querem descer para pegar a comida:
E, em março deste ano, o Tecnoblog recebeu o relato do leitor Carlos Rocca, de Porto Alegre, com fotos da frase “Motoboy não é garçom” escrita em portas e em uma parede:
Carlos explica:
Recebi três imagens de condomínios diferentes (um é onde eu moro, faço parte de um grupo de moradores) com pichações internas “Motoboy não é garçom”. Normalmente quando eu peço comida, eu não deixo o motoboy subir, eu pego na portaria. Quando a entrega é rastreada eu desço antes, e vejo a movimentação de entregadores (moro em um condomínio com 1.020 apartamentos distribuídos em duas portarias).
No tempo que fico esperando meu lanche, vejo a postura dos entregadores em esperar e às vezes ter que subir com o lanche. Quase nenhum entregador gosta de subir para entregar a comida. Quem está em casa acha que está “pagando” por esse serviço, e quer receber a comida na porta do seu apartamento. Quem está entregando recebe a mesma coisa para entregar na portaria ou para ter que perder tempo e entregar na porta do apartamento.
Acredito que já passou da hora do iFood, que é o principal player nesse mercado, implementar algum sistema de taxa extra ou pelo menos estabelecer nos termos de uso onde deve ser realizada a entrega.
Sim, há alguns casos em que o cliente realmente teria muita dificuldade em descer para pegar a entrega – tal como uma pessoa de idade avançada ou com deficiência. Mas os casos mencionados acima não têm a ver com isso: são usuários do iFood e apps semelhantes que não querem se dar ao trabalho de sair do apartamento para pegar a comida.
Eu peço delivery com mais frequência do que deveria – até os porteiros do meu prédio sabem disso! -, mas tento ser o mais ágil possível para retirar a entrega. Fico de olho no aplicativo para saber quando o pedido está próximo; e quando ele chega, na maioria dos casos, eu estou esperando lá embaixo ou descendo o elevador (antigo e lento). Vez ou outra, um dos motoboys comenta algo como: “se todo cliente fosse assim, ficava melhor pra gente!”.
Eles dizem isso, mas tenho para mim que esse deveria ser o tratamento básico para todo entregador. A remuneração do motoboy depende de quantas viagens ele faz entre restaurante e usuário: ou seja, você acaba prejudicando o sustento de uma pessoa só por deixá-la esperando tempo demais.
E a remuneração pode ser um problema para os entregadores. Tome o exemplo de Marcelo Castelli, que trabalha no Rio de Janeiro: em um dia, ele percorre 160 km por 14 horas, mas só recebe R$ 50. Ele conta ao jornal O Dia que às vezes dorme em um posto de gasolina, em vez de voltar para casa, a fim de economizar o dinheiro do combustível. Até a alimentação fica prejudicada: “a gente só come um salgado e olhe lá… Coxinha no almoço e outra na janta; ou nem janta, só almoça”.
Infelizmente, nem todo mundo está realmente ciente disso. Espero que o posicionamento oficial do próprio iFood faça mais pessoas entenderem que, de fato, motoboy não é garçom.