A questão afeta aos animais domésticos em condomínios edilícios ainda gera muita polêmica, muito embora seja letra morta e ultrapassada a tentativa de proibição
A convivência condominial é tarefa árdua, já que viver em ambiente compartilhado não é fácil, principalmente considerando-se o fato de que respeitar regras, para muitos, é sinônimo de aversão, e é justamente aí que mora o perigo!
A convenção condominial define a estrutura geral do condomínio e o regulamento interno disciplina a conduta interna para a convivência harmônica do mesmo, sendo que ambos em conjunto delimitam os direitos e deveres dos moradores.
Ao síndico, por sua vez, cumpre exigir o cumprimento da lei e dos instrumentos acima mencionados.
Adentrando ao tema ora proposto, revela-se que a questão afeta aos animais domésticos em condomínios edilícios ainda gera muita polêmica, muito embora seja letra morta e ultrapassada a tentativa de proibição.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atestou que 46,1% dos lares possuem pelo menos um cão e que 19,3% brasileiros possuem gatos. Ao todo, cães e gatos habitam mais de 47,9 milhões de lares.
Como se denota, trata-se de uma realidade social inconteste e, diga-se por oportuno, paupérrima de legislação, ainda que aludida de forma sucinta na matéria do Meio Ambiente, insculpida no Capítulo VI da Constituição Federal de 1988, art. 225, § 1º, o qual delega ao poder público e a coletividade a defesa dos animais, impondo à sociedade e ao Estado o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade física dos mesmos.
E o Código Civil, por sua vez, trata os animais como coisas, estando contidos no livro do Direito das Coisas.
Embora o direito de propriedade seja uma garantia constitucional, temos que, em relação à propriedade privada, essa função social também se dá com o direito de vizinhança, já que o Código Civil conta com dois artigos de lei que devem se comunicar, a saber:
"Art. 1.228. O proprietário tem faculdade de usar, gozar e divertir da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possuía ou detenha."
"Art. 1277. O proprietário ou possuidor de um prédio tem interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos direitos que o habitam, causados pela utilização da propriedade vizinha."
Em dezembro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que os condomínios não podem proibir moradores de possuírem animais de estimação, nem tampouco restringir determinadas raças e nem o porte dos animais.
E no mesmo diapasão, exageros contidos em Convenções Condominiais, Regulamentos Internos e até mesmo em deliberações assembleares devem ser evitados.
Como exemplo ora ao alcance das mãos tem-se os casos em que, equivocadamente, alguns condomínios houveram por bem deliberar que os animais deveriam ser carregados no colo e que foram alvos de reprimendas por nossos tribunais pátrios.
A juíza do 1º Juizado Especial Cível de Brasília julgou procedente o pedido da ação para declarar nulas as multas impostas pelo condomínio, em razão da condômina transportar o seu animal no chão nas áreas comuns do edifício, tendo fundamentado a sua decisão da seguinte forma:
"Na hipótese, entendo que é necessária a adequação da norma prevista na convenção de condomínio à lei, pois a determinação para que os moradores transitem com seus animais de estimação no colo se mostra ilegítima. Se a finalidade da norma é prevenir doenças e proporcionar segurança aos demais moradores esta não atinge o seu fim. O fato do animal estar no colo, por si só, não impede a proliferação de doenças. A fim de zelar pela higiene das áreas comuns e saúde dos demais moradores é direito do condomínio exigir do tutor do animal: a boa higiene destes, a comprovação da aplicação das vacinais e vermífugos, e nos casos em que o animal suje as áreas comuns a pronta higienização do local" (Processo: 0717290-45.2015.8.07.0016 TJDF).
Essas decisões servem de alerta aos síndicos, assim como fazem surgir muitas dúvidas com relação às regras que podem ser impostas aos tutores de animais domésticos no âmbito condominial.
Assim, apesar dos condomínios não poderem proibir animais de estimação, não quer dizer que tudo é permitido. Cada condomínio pode estabelecer regras e normas de convivência que se apliquem para todos, explicitadas no Regimento Interno.
As normas devem ser submetidas à votação em assembleia geral e ter voto favorável da maioria dos condôminos presentes para ser validada. Todavia, tais regras devem ter o cuidado para que não excedam o limite do razoável.
Como sugestão de regras viáveis temos:
"Os animais residentes no condomínio serão tolerados, desde que não perturbem os demais moradores, estejam com o ciclo vacinal em dia, não sujem as áreas comuns e permaneçam sob estrita vigilância de seus tutores, devendo ainda ser obedecidos os seguintes requisitos:
Não frequentarem as áreas comuns;
Transitarem até o portão de entrada/saída sempre com guia e coleira;
Se causarem barulho incessante ensejarão em notificação e posterior multa;
Os animais que, mesmo reclusos nas unidades condominiais, exalarem odor que incomode os demais moradores, deverão ser removidos."
Uma outra norma comum objeto de regramento se refere ao uso de focinheiras, guia e coleira por animais domésticos nas dependências do condomínio.
Importante salientar que esse uso não é de uso obrigatório em todas as raças, sendo que apenas alguns Estados e Municípios legislam a esse respeito, sendo ideal que essas informações sejam buscadas pelos síndicos, a fim de evitar medidas cegas.
Tentando limitar de forma razoável, o uso da focinheira, da guia e da coleira, em alguns condomínios dos mais variados Estados de nosso país, como Mato Grosso, passou a ser obrigatório para as raças de cães Fila, Rottweiler, Doberman, Pitbull, Pastor Alemão, Mastin-Napolitano, Bull Terrier e American Stafforshire.
Assim, caso o condomínio tenha a intenção de impor o uso de focinheiras, guia e coleira por animais domésticos em suas dependências, é ideal que observe a raça e o porte do cachorro, pois o uso principalmente de focinheiras em determinadas raças, sobretudo de pequeno porte - que não oferecem riscos a moradores - pode causar desconforto desnecessário ao animal, desrespeitando sua dignidade e configurando crueldade e crime de maus-tratos (art. 32 da lei 9.605/98 e art. 3, I do decreto 24.645/34).
Trocando em miúdos, fato é que deve haver uma conjugação de boas intenções entre condomínio e condômino, com o objetivo único e exclusivo de preservar a convivência harmônica entre os moradores e seus pets, eis que cercear o convívio com animais é tema que não mais cabe na cartilha condominial. Deve-se buscar o estabelecimento de normas que sejam efetivamente práticas de serem cumpridas e que facilitem a vida da comunidade como um todo, evitando-se conflitos.
Richard Franklin Mello d’Avila
Graduado em 1988 pela PUC-Campinas. Sócio da MORELLI & D’AVILA SOCIEDADE DE ADVOGADOS desde 1989. Pós-Graduado em Advocacia Consultiva. Relator da Comissão de Ética da OAB/Subseção-Campinas por 4 anos
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