Todo mês, eles transformam 8 toneladas de lixo em adubo
Tudo começou porque o professor de física Rogério Airoldi, 46 anos, queria dar um bom exemplo para os dois filhos. Queria tirá-los um pouco do mundo virtual e dar uma ideia prática de como tornar o lugar onde vivem mais sustentável. O problema é que a família mora em um condomínio imenso. Por isso, antes de tirar suas ideias do papel, ele precisou convencer também a maioria dos outros 1.600 moradores. O único jeito foi se tornar síndico por acidente, como ele diz. No fim deu tudo certo. De seis anos para cá, o conjunto de prédios no Butantã, na zona oeste de São Paulo, se tornou referência em sustentabilidade.
Ao longo desse período foram construídas 11 composteiras, que transformam mensalmente 8 toneladas de resíduo orgânico dos moradores em adubo. O adubo é usado para o jardim e também fez de uma área abandonada, cheia de entulho, numa imensa horta comunitária, onde cada um planta o que quiser. Da horta, veio a ideia de coletar a água das áreas comuns. Foram instaladas quatro caixas d’água com capacidade total para armazenar 45 mil litros. O lixo reciclável também é todo separado e colocado em containers. Eles não usam mais sacos plásticos. O dinheiro arrecadado pela coleta entra na caixinha dos funcionários mensalmente. Uma coisa vai puxando a outra e as ideias para melhorias já mobilizam mais de uma centena de moradores.
Airoldi tem todos os números dessas ações em uma planilha. A conscientização, por exemplo, ajudou o condomínio a economizar só em saco de lixo cerca de R$ 80 mil nesses últimos anos. "Se empilhássemos os sacos vazios que deixamos de usar daria uns 80 metros, maior do que as nossas torres de 17 andares, que têm 60 metros."
Ele também calculou os benefícios para a cidade. "O custo da tonelada de lixo é em torno de R$ 400 entre logística e armazenamento. Ou seja, no ano, ajudamos a prefeitura a economizar por volta de R$ 36 mil. Em cinco anos, ajudamos a economizar R$ 180 mil."
O sonho do professor é que a iniciativa do seu condomínio inspire outros prédios e outras pessoas a adotarem medidas mais sustentáveis. "A cidade tem algo em torno de 20 mil condomínios. Digamos que metade faça isso. São dez mil. Seriam R$ 360 milhões por ano economizados com lixo só na cidade de São Paulo. Poderia criar o imposto verde em cima disso, devolver parte do dinheiro para os condôminos. Há uma infinidade de possibilidades."
O início
O passo a passo para iniciar esse processo, no entanto, não foi fácil. Rogério não conhecia outro condomínio na cidade com essa preocupação ambiental, e precisou pensar um projeto do zero. Para ter voz entre os milhares de moradores, virou síndico. E foi devagar com a ideia de sustentabilidade. Rogério deu uma olhada no lixo para sugerir a coleta seletiva e notou que a quantidade de resíduo orgânico era muito maior do que a de material reciclável. Pensou então na compostagem.
Airoldi é natural de Santo Anastácio, um pequeno município de 20 mil habitantes, no interior de São Paulo, quase divisa com o Mato Grosso do Sul. Ele viveu até os 17 anos na roça, ajudando a família nas plantações de café e queria passar um pouco para os filhos Gabriela e Pedro dessa experiência de estar perto da terra. Também tinha saudades do que fazia na infância. Desde que mudou para São Paulo para estudar engenharia na USP, viveu em apartamento. E sempre na região do Butantã. Casou, separou, terminou graduações e pós-graduação e continuou no bairro.
No prédio dele, por sinal, vive toda a família. Ele em um apartamento, a esposa em outro e a sogra em mais outro. A sogra é uma das grandes incentivadoras no projeto de sustentabilidade. Mas nem todo mundo pensava como a mãe de sua ex-mulher. A sugestão das composteiras foi inicialmente banida pela maioria.
Diziam que esse negócio de guardar lixo iria atrair barata e ratos, iria cheirar mal e degradar o condomínio. A discussão foi longa, durou cerca de um ano. "Me falavam: dá um exemplo então de um condomínio que faça isso. E eu ficava sem resposta. Não tinha, não conhecia ninguém."
Como o investimento era muito baixo, depois de muita conversa, a turma do "não" aceitou que fosse feito um projeto piloto por seis meses. E com somente duas composteiras. Se aparecesse um rato ali já era. A estrutura para cada composteira saiu por volta de R$ 150. Por ficar em um local aberto, Airoldi optou pela compostagem por fermentação, sem as minhocas. Ela é basicamente uma estrutura de tela de alambrado envolta em tela de mosquiteiro, com a tampa de caixa d’água.
Diferentemente dos minhocários, ali é possível destinar qualquer resíduo orgânico. Além das frutas e legumes, é permitido coletar frutas cítricas e alimentos cozidos. Folhas secas são colocadas sobre o lixo e a tampa da caixa d’água trata de vedar e esquentar o local para acontecer a fermentação. Um mês e meio depois, em média, tudo virou adubo.
Esses 45 dias foram suficientes para convencer a todos. Não apareceu bicho, não causou mau cheiro e começou a ajudar o prédio a economizar. "Paramos de gastar com adubo para os jardins, por exemplo. Reduziu o lixo que tinha que deixar na frente do prédio, melhorou o visual da rua, que é uma questão estética importante também e facilitou o trabalho dos garis."
Mãos na horta
O projeto só foi crescendo. Hoje são 11 composteiras que recebem o lixo de cerca de 40% dos moradores. O local esquecido do prédio, um barranco, começou a ganhar mudas. Uma estrutura de madeira com corrimão foi instalada para incentivar a visita de todos. A aposentada Sueli Aparecida Ribeiro, 61 anos, é outra grande entusiasta. Ela mora no prédio desde 2017. "Separo diariamente. Às vezes vou duas vezes ao dia deixar o material orgânico. O resíduo que sobra é quase zero."
Sueli também ajuda na divulgação das ações. Para mobilizar mais gente, criou o Mãos na Horta. Fez avental com logomarca e tudo. A ação é uma espécie de tour realizado duas vezes ao ano pelo condomínio para mostrar aos novos moradores onde ficam as caixas d’água de reúso, o local do lixo reciclável e por fim o espaço da compostagem. "Não mexo tanto na terra, mas nesta parte de comunicação sou bem atuante."
Outro entusiasta do condomínio sustentável é George Campos Azevedo, 43 anos. Ele trabalha na parte de comunicação da USP e mora desde 2014 no condomínio. A família tem um sítio no interior e ele frequentemente contribui com umas mudas. "Já trouxe diversas Pancs (Plantas Alimentícias Não Convencionais), como ora-pro-nóbis e taioba. Costumo vir sempre aqui, ajudo a regar, tirar o mato."
Para ele, a ação que existe no prédio é importante também para as pessoas entenderem melhor o processo de produção de um alimento. "Plantar um pé de couve leva meses. Existe uma cadeia por trás. Plantar, regar, tirar as pragas, cuidar, até poder colher. É legal especialmente para as crianças poderem acompanhar isso."
Os funcionários também aderiram ao movimento. A dupla Messias José Soares e José Geraldo Mendes são os responsáveis por levar o material orgânico do container para a composteira. E também já deram sua parcela de colaboração para a horta, com mudas de bananeiras e outras hortaliças. "É uma atitude muito bonita e dá gosto de trabalhar aqui, ajudar", elogia Soares, funcionário há oito anos do condomínio. "É bem legal, estou aprendendo muito aqui", acrescenta Mendes, que completou 11 meses na função.
Os moradores agora estão tentando colocar caixas de abelhas sem ferrão próximo das hortas para ajudar na polinização. A reportagem, inclusive, ajudou e passou o contato da Dona Maria Helena, nossa personagem do capítulo anterior desta série.
Até as reclamações do prédio ficaram mais divertidas com a sustentabilidade. Airoldi, que já deixou o cargo de síndico, lembra que há um tempo atrás recebeu o aviso de que as crianças tinham pegado uns pés de alface e estavam fazendo piquenique na área da piscina. "Quando soube disso a vontade foi de comemorar. A horta é para as crianças mesmo. Que continue assim."