Para STJ, neste caso, não há uma finalidade residencial e sim comercial
Analisando um caso isolado de um condomínio no Rio Grande do Sul (RS), a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem que este edifício pode proibir atividades de hospedagem, entre elas as locações de curta temporada por meio ou não de plataformas como o Airbnb.
O caso começou a ser discutido em 2019 pela 4a Turma do STJ, mas após o voto do relator, o julgamento foi suspenso devido ao pedido de vista de um dos ministros, que solicitou mais tempo para analisar o caso. O julgamento só foi retomado nesta terça-feira (20) com decisão a favor do condomínio. O recurso foi apresentado por uma mulher e pelo filho dela, que foram proibidos pela Justiça do Rio Grande do Sul de alugar o imóvel ou sublocar quartos em dois apartamentos dentro de um condomínio residencial.
Em nota, o Airbnb afirmou que “os ministros destacaram que, no caso específico do julgamento, a conduta da proprietária do imóvel, que transformou sua casa em um hostel, não estimulada pela plataforma, descaracteriza a atividade da comunidade de anfitriões. Além disso, os ministros ressaltaram que a locação via Airbnb é legal e não configura atividade hoteleira e afirmaram que esta decisão não determina a proibição da atividade em condomínios de maneira geral. Proibir ou restringir a locação por temporada viola o direito de propriedade de quem aluga seu imóvel regularmente”.
Mesmo sendo uma decisão pontual, especialistas afirmam que ela abre precedente, pois, apesar de não ser vinculante (não é obrigatório que todos os juízes do país sigam), é a primeira vez que a Corte Superior fala sobre o tema. “Há 10 anos advogo a tese de que, dependendo da forma com que o condômino aluga ou cede o seu apartamento, não é mais uma locação comum, uma atividade residencial, mas sim uma atividade não residencial de hospedagem. Fico muito feliz com essa decisão, mesmo que ela seja somente para as partes. É um importante precedente para ser utilizado pelos condomínios”, avalia o advogado André Luiz Junqueira.
Ele explica que não houve proibição do uso de aplicativos. “Não se proíbe aplicativos, não se vê motivo condominial para se restringir o meio pelo qual o proprietário negocia seu imóvel. A atividade em si, se assemelhada à hospedagem, é que pode ser proibida pelo condomínio”, reforça.
O advogado Leandro Sender lembra ainda que o proprietário tem o direito de dispor de sua unidade como preconiza o artigo 1.335 do Código Civil. Inclusive, o artigo 48 da Lei do Inquilinato é claro ao autorizar locações por temporada, desde que não superem 90 dias.
“No entanto, quando esta locação tem alta rotatividade, ou seja, quando ocorrer por curtos períodos e por meio de diárias, pode vir a causar falta de segurança e transtornos aos demais moradores. Por este motivo, a 4ª Turma do STJ se posicionou no sentido de possibilitar que o condomínio, através de cláusula específica, proíba esta prática, com respaldo na supremacia do interesse da coletividade”, ressalta Sender.
Giovani Oliveira, gerente-geral de Imóveis da Apsa, orienta que, na prática, nada muda neste momento para os condomínios. “Os síndicos não devem tomar medidas restritivas a este uso por conta da decisão, mas sim acompanhar com cautela os movimentos que virão mais adiante”, observa.
Para o presidente da Abadi (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis), Rafael Thomé, existe um claro conflito entre o direito de propriedade e o de vizinhança, relacionado ao dever de convivência e revelando a complexidade de definir o limite entre um e outro. “A ausência de uma regulamentação para a locação por temporada em ambiente condominial contribui para a geração de conflitos e transtornos, todavia é importante um equilíbrio que possa viabilizar esse tipo de locação de forma pacífica e ponderada num condomínio edilício”, diz Thomé. Segundo ele, quando há desvios do uso normal da propriedade, violando a natureza do edifício, torna-se justificável a busca de uma modulação, concedendo à convenção o papel regulatório. “É importante que os síndicos fiquem atentos às medidas já possíveis de serem adotadas, como criar regras de controle de acesso e identificação de inquilinos para que haja responsabilidade por prática de condutas indesejáveis”, recomenda.
Alfredo Lopes, presidente do Sindicato dos Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro (Hotéis Rio) e diretor da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), afirma que a decisão é acertadíssima. "Este já era um pleito de diversos síndicos e condôminos pelos condomínios Brasil afora, com o apoio do setor hoteleiro, desde o início da operação dessas plataformas de hospedagens. Um ponto fundamental deste debate é a questão tributária. Essa operação se configura como um verdadeiro camelô da hotelaria, pois não existe igualdade tributária, além de não recolher impostos para a Prefeitura", alerta Lopes.