Mensagens mostram quando mulher escreve: ’Esse preto não vai entrar no meu condomínio’. Polícia Civil investiga o caso.
O Condomínio Aldeia do Vale informou que a cliente de hamburgueria que chamou um entregador de macaco não mora no residencial, em Goiânia, conforme ela informou ao fazer o pedido. O caso é investigado pela Polícia Civil.
Mensagens mostram quando a pessoa, registrada no aplicativo de entregas de comida, diz que “esse preto não vai entrar no meu condomínio”. Ela ainda pediu que fosse enviado um entregador branco.
O condomínio informou que, na noite de terça-feira (27), recebeu da polícia o nome cadastrado no aplicativo que foi usado para fazer o pedido.
“Checando em nossos cadastros, temos certeza em informar que ela não é e nunca foi moradora do Aldeia do Vale”, disse o comunicado.
A assessoria de imprensa do residencial disse ainda que também foram verificados os registros de visitante e que nenhuma pessoa com o nome usado para fazer o pedido de entrega passou pelo condomínio. “Tudo não passou de um trote criminoso por alguém que nunca residiu aqui”, completa a nota. Apesar da alegação do residencial, a Polícia Civil ainda investiga o que realmente aconteceu.
A empresa disse que, independente do histórico da cliente na plataforma, atos de discriminação racial devem ser repudiados e que baniu a usuária. A reportagem pediu informações sobre a localização de onde foi feito o pedido e se já foram registradas outras queixas com relação ao perfil, mas o Ifood afirmou que “apenas poderá compartilhar dados pessoais de consumidores e entregadores mediante ofício ou ordem judicial de autoridade competente”.
Elson Oliveira, de 39 anos, trabalha há 12 anos como entregador e nunca tinha sido vítima de racismo. Ele conta que ficou abalado ao saber das mensagens ofensivas.
“É indignação o que a gente sente. É muito dolorido para a gente que trabalha nessa área passar por uma situação como essa”, disse.
Agora, ele acredita que deve lutar para que situações como essa sejam combatidas e agradece o apoio recebido. "Eu estou representando uma cor, uma raça. Esse caso magoou um pouco, mas com as mensagens de apoio e os amigos, estou superando isso. Sei que não estou sozinho", disse.
Elson disse ainda que, agora, se preocupa com as filhas. Pai de três meninas, ele teme que as crianças possam ser vítimas de racismo. "Elas vão crescer e podem estar sujeitas a passar por isso. Se comigo, que tenho coração forte, doeu, me preocupo com elas", completou.
Mensagens racistas
O caso aconteceu na noite de domingo (25). Elson foi levar o pedido, mas o endereço estava incompleto no cadastro. A gerente da hamburgueria, Ana Carolina Gomes, enviou uma mensagem pelo aplicativo pedindo o número da quadra e do lote e solicitando a entrada do funcionário.
A cliente, então, digitou:
“Esse preto não vai entrar no meu condomínio. Mandar outro motoboy que seja branco. Eu não vou permitir esse macaco”.
Diante das respostas, a gerente cancelou o pedido dizendo que não aceitaria o ato de racismo. Ela conta que teve até dificuldade em relatar a situação ao entregador. “Ele chegou aqui e disse: ‘Ah, é difícil a pessoa não querer que eu entregue porque eu não sou branco’”, disse.
Elson relata que nunca tinha passado por uma situação semelhante.
“Na hora, não acreditei. Voltei de cabeça baixa. É muito dolorido quando acontece com você. Você não espera que isso vá acontecer, porque tem muitos meios de comunicação que falam sobre isso e as pessoas continuam com esses atos”, lamentou o entregador.
Inconformada com a situação, a gerente decidiu postar as conversas na internet. Elson se comoveu com a repercussão. “Quero agradecer a todos que estão se sensibilizando pela situação. Primeiramente à minha colega, Carol, que divulgou esse caso nas redes sociais. Obrigado a todos”, disse.
Registro na polícia
O dono da hamburgueria, Éder Leandro Rocha, a gerente e o entregador foram, na tarde de terça-feira, registrar o caso na Polícia Civil e prestar depoimento. Representantes de movimentos dos direitos dos negros também compareceram à delegacia par cobrar providências.
A delegada Sabrina Leles informou que vai pedir dados junto ao aplicativo para seguir as investigações. “O aplicativo tem papel fundamental nesse momento, porque ali nós temos informações técnicas da conexão, dos dados do usuário que encomendou aqui e, através daquele chat, na conversa com a empresa fornecedora, proferiu essa intenção de praticar o crime de racismo”, disse.