Segundo o juiz, apesar de o genro da moradora ter aparentemente ficado ofendido com a narrativa dos fatos e atitudes do síndico, não há qualquer lesão íntima capaz de ferir sua moral.

Número do processo: 0704704-97.2020.8.07.0016
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)

AUTOR: T. S. D. Q.

RÉU: R. P.

SENTENÇA

Dispensado o relatório, nos moldes do Art. 38 da Lei 9.099/95, passo a decidir.

DECIDO

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, examino o mérito.

Trata-se de ação indenizatória em que o autor, em apertada síntese, alega que o síndico do condomínio em que reside sua sogra afrontou sua dignidade ao se reportar de seus atos no dia 25/12/2019 perante seus familiares, após ter utilizado a academia de musculação do prédio juntamente com seus treinadores pessoais. Requer indenização por danos morais.

Em contestação, ID 70844082, o réu, em preliminar, alega sua ilegitimidade passiva. No mérito, em síntese, alega que, após reclamação de condômino quanto às atitudes do autor e seus treinadores pessoais na academia do prédio, se reportou à condômina do apartamento em que o autor tinha ido visitar, relatando o acorrido e a infringência das normas da Convenção do Condomínio. Requer a improcedência dos pedidos e a condenação do autor por litigância de má-fé.

O feito comporta julgamento antecipado, conforme inteligência do art. 355, inciso I, do CPC.

PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA

Não há que falar em ilegitimidade passiva da parte requerida para responder pela ação indenizatória, uma vez que o exame das condições da ação se dá com abstração dos fatos demonstrados no processo. Examinados as provas e argumentos o provimento é de mérito.

Rejeito a preliminar arguida.

Portanto, afastada as preliminares e, presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, procedo ao exame do mérito, consignando, desde já, que não assiste razão à parte autora.

Compulsando detidamente os autos verifico que o autor, em 25/12/2019, aproveitando a estada na casa de sua sogra, moradora do Residencial Villa Lobos, SQNW 309 – Setor Noroeste, resolveu treinar na academia do edifício juntamente com outros dois treinadores pessoais, atitude que incomodou outro morador que resolveu fazer a reclamação oral com o síndico autor, que, por sua vez, relatou o ocorrido à sogra do autor quanto às infringências das normas condominiais.

Apesar do autor ter aparentemente ficado ofendido com a narrativa dos fatos e atitudes do síndico, perante sua sogra, não vejo qualquer lesão íntima capaz de ferir a moral daquele.

Consiste o dano moral em lesão intangível, experimentada pelo indivíduo em determinados aspectos da sua personalidade, decorrentes da atuação injusta de outrem, de forma a atingir suas esferas de integridade física, moral ou intelectual, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, sentimentos e sensações negativas. Aqui se englobam o dano à imagem, o dano estético, o dano em razão da perda de um ente querido, dentre outros, consubstanciando, assim, todo gravame relevante, de natureza não patrimonial, que, ultrapassando o mero dissabor cotidiano, revele aptidão para atingir o indivíduo em seus direitos da personalidade.

Calcado em tais premissas, tem-se que somente deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.

Vale consignar que o vexame, o sofrimento, a dor e a humilhação são conseqüências, e não causas, caracterizando o dano moral quando tiverem por fonte uma agressão à dignidade de alguém, de modo a alcançá-la de forma intensa, a ponto de atingir a sua própria essência.

Nesse sentido, para que se verifique a ocorrência do dano moral, é imprescindível que a conduta resulte em veemente abalo ao homem de tirocínio mediano. Assim, não há falar em dano moral caso não encerre o fato mácula a direitos personalíssimos, assim compreendidos os inerentes à vida, à integridade física e psicológica, à saúde, à imagem, sem prejuízo de outros, cujo rol não se mostra passível de exaustão.

...
Evidente o dissabor suportado pelo autor, desprovido, todavia, de qualquer conseqüência mais gravosa, sendo imperioso que tal aborrecimento não pode ser içado à condição de causa bastante a fazer eclodir ofensa a direito personalíssimo, e, por conseguinte, deflagrar a obrigação de indenizar por danos morais.

Nesse sentido:

“JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. CONDOMINIO RESIDENCIAL. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADES PASSÍVEIS DE CORREÇÃO. OBSERVÂNCIA A CONVENÇÃO E ASSEMBLEIAS REALIZADAS. DANO MORAL INOCORRENTE. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1-Não ficou demonstrado nos autos que houve irregularidade na execução de obras realizadas pelo condomínio, quando tais obras foram determinadas por assembléia.

2-Verificado que cada bloco é independente, não há como se compelir o condomínio de bloco no qual os recorrentes não residem a aceitá-los na academia nele instalada. Cada bloco pode instalar equipamentos como fez o bloco A. Não há ferimento a regra contida no artigo 18 da Convenção.

3-Os motivos apontados pela recorrente como lastro de indenização por danos morais não são suficientes para adoção do aludido instituto.

4-Não comprovada ofensa de cunho moral, não há que se falar em indenização. Irresignação com decisões tomadas pelo condomínio são resolvidas por meio da realização de outra assembléia, desde que haja deliberação em sentido contrário e não afronte a Convenção do condomínio. Mero aborrecimento não pode ser fundamento de dano moral, sob pena banalização do instituto.

5-RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, SERVINDO A SÚMULA DO JULGAMENTO COMO ACÓRDÃO, NA FORMA DO ARTIGO 46 DA LEI 9099/95. Honorários devidos e arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

(Acórdão 612464, 20120710095459ACJ, Relator: WILDE MARIA SILVA JUSTINIANO RIBEIRO, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 21/8/2012, publicado no DJE: 23/8/2012. Pág.: 206)”

Sem entrar no mérito da extensão das normas condominiais, mas é latente que algumas regras foram infringidas pelo autor (ID 70847709), motivando, assim, toda a discussão acerca da utilização da academia do edifício e a notificação da condômina. Por tal razão, concluo que a conduta do requerido não se revestiu de ilicitude, porquanto agiu respaldado pela norma e nos limites do regular exercício de síndico do prédio.

Assim, não estando presente, no caso, qualquer fato capaz de gerar lesão a direito da personalidade do autor, não se justifica a pretendida reparação a título de danos morais.

DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Por fim, a alegada litigância de má-fé não merece prosperar, uma vez que não se presume, exige prova adequada e pertinente do dolo processual.

Não obstante o inafastável dever de lealdade e boa-fé dos sujeitos processuais, não se pode presumir o dolo e a má-fé pelas alegações constantes da peça inicial. Ademais, não se vislumbra nenhum dos motivos elencados no art. 80 do CPC/2015, a justificar o pedido.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial.

Por conseguinte, resolvo o mérito do processo nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Sem custas e honorários advocatícios, conforme disposto no artigo 55, "caput", da Lei n° 9.099/95.

Passados 10 dias da publicação da sentença, sem manifestação das partes, arquive-se, sem baixa.

Publique-se. Registrado eletronicamente. Intimem-se.

FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA


Juiz de Direito