Flexibilização de regras nos prédios vira cabo de guerra entre vizinhos
Um grupo de moradores exige a liberação do uso da piscina do prédio. Seu argumento: são nadadores profissionais. Outro exige que o nome completo de um condômino contaminado pela Covid-19 seja exposto e que ele seja trancafiado.
Nesse cabo de guerra entre moradores pró e contra medidas de isolamento, Vanessa Gantmanis Munis, síndica profissional de quatro condomínios, já foi chamada de sem-vergonha e recebeu ameaças de processo por WhatsApp.
Isso quando um morador não diz que vai quebrar tudo para entrar na academia fechada ou uma família resolve jogar pedaços de carne no espaço gourmet por ter sido proibida de fazer seu churrasco na área comum.
Desde o começo da pandemia no país, os perrengues entre moradores de condomínio vieram à tona e a resolução ficava a critério do síndico.
A maioria fechou áreas comuns. Começaram pressões, principalmente para liberar academias, parquinhos e quadras ao ar livre. Com a flexibilização das regras de isolamento social, controlar as insatisfações ficou mais difícil.
No início de junho, a Prefeitura de São Paulo comunicou que os prédios têm autonomia para definir as regras e o ritmo de reabertura. E jogou a batata quente para síndicos e conselhos administrativos. Alguns tiveram que ceder, outros marcaram reuniões virtuais com moradores antes de flexibilizar a quarentena.
A confusão aumentou quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou, no dia 12 de junho, trechos da lei aprovada pelo Congresso que dava, durante a pandemia, poder aos síndicos para proibir festas e eventos coletivos.
"O que estava difícil, piorou", afirma Ricardo Karpat, diretor da Gábor RH e especialista na formação de síndicos profissionais.
Pressionados por moradores estressados pelo isolamento prolongado, a reabertura de quadras e áreas comuns ao ar livre já havia começado em muitos condomínios. A maioria estabeleceu regras, como hora para uso do espaço, medidas de higiene etc.
Nem todos estão dispostos a esperar a abertura lenta e gradual das áreas do prédio. "Foi só começar a flexibilização para alguns chutarem o pau da barraca", diz Karpat.
Há casos de moradores que tiram suas máscaras assim que passam o portão ou entram no elevador com mais de três pessoas dentro.
Sobra para o síndico que, segundo Karpat, pode ter de responder judicialmente por eventuais problemas que ocorram aos moradores, mesmo quando as decisões forem tomadas coletivamente.
No começo da pandemia, as medidas restritivas tiveram maior aceitação por parte dos condôminos, e o poder do síndico não foi muito questionado, de acordo com Alexandre Prandini, diretor-executivo da Mr. Síndico.
Com o esgotamento emocional causado pelo confinamento e o relaxamento das regras municipais, os moradores contrários ao isolamento se sentiram à vontade para escancarar suas queixas.
Para Prandini, o ideal é criar uma metodologia para abertura e levar as propostas para deliberação do conselho ou para uma assembleia virtual de condôminos.
A Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo) recomenda flexibilizar o uso dos espaços comuns gradativamente, levando em conta os índices de contágio. Para auxiliar nas decisões, a associação preparou uma cartilha com um protocolo sobre a retomada das atividades.
"Nossa sugestão é que os síndicos ouçam as opiniões dos moradores e flexibilizem o uso das áreas comuns se as condições de segurança estiverem garantidas", diz José Roberto Graiche Júnior, presidente da Aabic.
As maiores cobranças são para liberar espaços ao ar livre. "As pessoas não querem esperar. Tem morador que ameaça processar o prédio se a academia não for liberada", afirma Prandini.
Permitir obras nas unidades é outra fonte de conflito entre vizinhos. Reformas interrompidas no início da quarentena estão sendo retomadas, mas muita gente continua trabalhando em casa.
A briga, nesses casos, não é só por questões sanitárias, mas pelo barulho inevitável. Acordos para limitar o número de funcionários na unidade e as horas para o quebra-quebra têm sido a solução buscada pelos administradores.
Nem sempre é fácil. "As pessoas já chegaram ao nível máximo de estresse e descontam em alguém: o síndico, o vizinho. Os grupos de WhatsApp viraram uma fábrica de loucos", diz Rogério Tassitani, síndico profissional de empreendimento na Grande São Paulo.
Para Munis, ainda falta tolerância e consciência sobre direitos e deveres individuais.
"A pandemia está desmascarando os moradores, para o bem e para o mal", diz a síndica profissional de condomínios na Grande São Paulo que vão de 48 a 400 unidades.