Espaços apertados e falta de vagas levantam discussões sobre garagens
Era para ser mais uma simples assembleia de condomínio em um prédio da Zona Sul, até que chegou a hora de sortear a disposição dos carros na garagem.
Diante do resultado, um morador resolveu protestar, dizendo que o sorteio estava “viciado”. Afinal, fazia anos que ele ficava sempre com as áreas de acesso mais complicado. Armada a confusão, uma moradora com dificuldades de locomoção também entrou na discussão. Ela achava que deveria ter prioridade em vagas de fácil manobra, devido à sua condição. Começou o bate-boca acerca deste ponto de atrito em tantos condomínios: a falta de espaço para estacionar.
O prédio em questão tem 49 apartamentos, sendo cinco coberturas, cada uma com direito a três vagas na garagem. As demais unidades têm direito a duas vagas.
Mas o sorteio é necessário porque são três pavimentos de estacionamento, sendo dois subterrâneos, onde as manobras são mais complexas. — A gente sempre fez assim, conforme prevê o regimento interno.
Não consigo encontrar alternativa mais democrática. Não dá para, simplesmente, estabelecer um rodízio, pois o número de vagas no térreo é muito menor do que nas outras áreas — afirma a síndica do condomínio, que está no posto há dez anos e garante que o estacionamento está em primeiro lugar do ranking de problemas do prédio, juntamente com os vazamentos. Ela afirma que o diálogo entre os moradores pode ajudar, já que a troca de vagas é negociável entre eles. Inclusive, há unidades que nem usam os espaços e podem cedê-los. Mesmo assim, está aberto o debate para encontrar uma solução, caso ela exista.
DEFINIÇÕES EM ASSEMBLEIAS
De acordo com o diretor jurídico da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Marcelo
Borges, a garagem é um dos ambientes mais importantes para a vida condominial, atestando a qualidade da atuação do síndico como gestor. Entre rodízios e sorteios, alguma solução precisa ser encontrada com a devida aprovação dos moradores.
— Aqueles condomínios que conseguem ter um controle por meio de regras estabelecidas em assembleia funcionam melhor.Uma vez aprovadas, essas decisões têm que ser o norte, apontando quais são as responsabilidades dos condomínios e quais são as dos usuários — comenta ele.
Mas muitas vezes, os problemas aparecem em função do próprio espaço delimitado para a vaga. Elaine Cabral, moradora do Enjoy Residences, no Recreio, ficou surpresa ao se mudar há cerca de um mês para o condomínio e perceb
er que na casa recém-comprada não era possível guardar os dois veículos da família, ao contrário do que garantia a escritura.
— É um absurdo, um desrespeito. Comprei um imóvel pensando que teria o conforto da garagem, mas agora tenho que parar na rua, o que gera muito transtorno, pois tenho duas filhas pequenas, chego com compras, levo chuva na cabeça... Se entro com o carro, sequer consigo abrir a porta para sair. Será que a construtora não mediu antes? É surreal — desabafa ela.
TAMANHOS VARIADOS
Segundo o advogado especialista em direito imobiliário Hamilton Quirino, o Código de Obras do Município estabelece uma largura mínima de 2,5m para as vagas de garagem. Já a extensão precisa ter ao menos 5m ou 6m, sendo a última metragem obrigatória para espaços paralelos ao eixo de circulação.
Como referência de tamanho, um Honda HR-V, utilitário mais vendido atualmente no Brasil, mede 1,77m de largura e 4,29m de comprimento. Já uma picape Toyota Hilux de cabine dupla tem, respectivamente, 1,85m por 5,33m.
— Se não forem cumpridas cláusulas contratuais a respeito das vagas, o morador poderá acionar o construtor. Se for prédio antigo, devem ser cumpridas as normas da convenção do condomínio e de seu regulamento interno — completa o Quirino.
Por meio de nota, Eric Labes, diretor da Labes Melo, construtora responsável pelo Enjoy, informou que empreendimento está dentro da legislação em vigor no Rio, tendo sido vistoriado e recebido o habite-se da prefeitura, autorizando a ocupação do mesmo, e averbado no Registro de Imóveis.
Para o advogado Marlon Mattos, também especialista no setor, o ideal é que o morador que suspeite de alguma irregularidade chame um arquiteto de confiança para fazer uma consulta de informação na prefeitura, na qual todas as intervenções que podem ser feitas no referido endereço serão detalhadas.
Segundo ele, não é comum que as dimensões das vagas deixem de ser atendidas pelas construtoras, porque, neste caso, a prefeitura não concederá o habite-se da obra. No entanto, na prática, há situações em que, após a entrega do empreendimento, proprietários e condomínios decidem informalmente alterar as dimensões para aproveitar melhor o espaço.
— De todo modo, se o não atendimento das dimensões tiver origem na construção, o condomínio ou mesmo os adquirentes podem propor ação judicial contra a construtora por vício construtivo. Porém, se a redução de tamanho das vagas estiver ligada a uma ação posterior do condomínio, o mesmo pode ser alvo de uma ação para obrigar a restituir as medidas originais.
MOBILIZAÇÃO INTERNA
O advogado especialista em direito imobiliário Celso Simões reforça que a incorporadora deve obedecer às posturas municipais e garantir o cumprimento do que está previsto na incorporação do prédio e no contrato de venda e compra das unidades.
O condomínio, por sua vez, deve sempre fazer cumprir as regras previstas na respectiva convenção. Se houver qualquer desconformidade, o morador pode sempre procurar algum tipo de mediação de conflitos e, se necessário, acionar os responsáveis judicialmente. — Mas nada disso impede que os vizinhos se unam no sentido de encontrar uma solução prática que resguarde a equidade dos condôminos e garanta a harmonia da vizinhança.
Pode-se, por exemplo, contratar um corpo de manobristas, adquirir paletes para o deslocamento transversal de veículos ou alugar eventuais vagas ociosas — diz ele. Simões acrescenta ainda que, em alguns casos, o problema nas garagens pode decorrer da má utilização do espaço.
Ele explica: — É possível que a incorporação do prédio preveja vagas de tamanhos grande, médio e pequeno (sempre obedecendo às posturas municipais).
Há casos em que o condômino tem direito a uma vaga de tamanho médio, e acaba adquirindo um utilitário ou uma picape de maior porte.
Nestas situações, a reclamação deve ser direcionada ao morador, não à incorporadora. Também cabe uma atuação fiscalizatória por parte do condomínio.
Outra situação que é frequentemente alvo de reclamações é quando os veículos aparecem, da noite para o dia, danificados em função das manobras feitas nestes locais.
O diretor jurídico da Abadi, Marcelo Borges, afirma que já existe uma jurisprudência bem consolidada indicando que o condomínio só é responsabilizado quando assume o dever de guarda dos veículos.
Seria o caso de um prédio que contrata vigilantes, manobristas ou estabeleça no regulamento interno que detém essa responsabilidade. —
O carro é um bem e como tal, é natural que os proprietários queiram ser indenizados quando um problema acontece — pondera Borges. — Por isso isso é importante que os condomínios sejam muito bem assessorados na hora de definir suas normas.