Com promessa de mais segurança, prédios ainda enfrentam obstáculos dificuldades para se adaptar

Um morador chega a seu prédio, mas não há alguém na portaria. Pressiona o indicador em um aparelho de identificação biométrica e o portão se abre. Outro digita uma senha para liberar o acesso. Um terceiro encosta um chaveiro (a "tag"), como se fosse um crachá de edifícios comerciais.

Esses procedimentos fazem parte do serviço que é chamado de portaria remota, ou virtual, que têm ganhado popularidade nos condomínios em São Paulo. O interfone ainda está lá, mas quem atende é um profissional a quilômetros dali, em uma central de monitoramento.

Os argumentos a favor dessa nova tecnologia são a redução de custo –com menos gastos com pessoal, a conta do condomínio cai– e a promessa de mais segurança.

Quem aderiu ainda enfrenta obstáculos para se adaptar. "Depende de uma boa conexão de internet, o que não é tão fácil em São Paulo", diz Bárbara Stutz, 38, síndica de um edifício na Aclimação (centro de São Paulo) que aboliu os porteiros há cerca de três meses. Ela se refere às chamadas dos interfones para a central, feitas com a tecnologia VoIP, pela internet.

As portarias virtuais em geral utilizam duas conexões de operadoras diferentes. Ainda assim, isso não livra o sistema de falhas. "Se uma conexão cai, demora uns dois minutos até acessar a outra. Esse é o ponto mais vulnerável", afirma Bárbara.

No edifício de Evandro Siqueira, 47, no Brooklin (zona sul), houve um "período de adaptação" de dois meses -o prédio utiliza o serviço há quatro. "A questão é mudar o costume. A pessoa não entende a maneira de colocar o dedo, demora um pouco até aprender a posição", diz.

Segundo Siqueira, os moradores estão acostumados à abertura do portão mediante um "tchauzinho" para o porteiro. "Uma senhora reclamou que não a reconheceram. Não é para reconhecer! É para usar a digital, a ’tag’, a senha", afirma.

Patrícia Costa, 50, síndica de um prédio na Vila Suzana (zona oeste), também relata casos parecidos. "Teve um morador que passou pelo primeiro portão e o segundo não abriu. Descobrimos que a fechadura não era ideal para o sistema e trocamos."

MAIS SEGURA?

A capital paulista tem 24.360 condomínios registrados, dos quais 300 já estão com a portaria remota, segundo estimativa da Abese (Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança).

Apesar de as empresas do ramo insistirem que a mudança traz ganhos na segurança, o tema não é unanimidade entre especialistas.

"Há uma diferença entre segurança e sensação de segurança", afirma Marco Dal Maso, diretor de negócios imobiliários da Aabic (associação de administradoras de condomínios de SP).

"O monitoramento é passivo, não ativo. Como é compartilhado [cada operador cuida em média de quatro prédios], essa pessoa só vai enxergar algo quando tocar o interfone", diz Dal Maso.

De acordo com Hugo Tisaka, diretor executivo da consultoria NSA Brasil, qualquer ocorrência que fuja da rotina precisa ter uma medida prevista. "Quando houver resposta para 99% das situações adversas, aí sim será uma excelente solução", afirma.

Portaria remota

MORADORES

"Se alguém passar mal, quem vai chamar uma ambulância?" e "vou ficar sozinha" foram alguns dos argumentos utilizados por moradores do prédio de Fábio Thomazelli, 36, em Higienópolis (região central de São Paulo), para rejeitar, ao menos por ora, a novidade da portaria remota.

Apesar do corte nos valores condominiais ser um argumento convincente em tempos de crise -moradores ouvidos pela Folha afirmam que o custo com pessoal foi reduzido de 30% a 46%- a adesão ao serviço encontra a resistência de moradores mais velhos.

"Três senhoras de mais idade se mostraram bem contra", diz Thomazelli, membro do conselho de moradores do seu edifício. Na cabeça daquelas senhoras, segundo ele, a presença de uma pessoa na guarita passa a sensação de segurança.

Para Rafael Daoud, diretor da Alarm Wolx, "o porteiro hoje é mais uma comodidade do que uma segurança."

Thomazelli exemplifica esse ponto como "mordomias" da relação informal com os funcionários. "Perde-se o porteiro que segura o portão quando você está carregando sacolas. Mas esse novo controle de acesso me pareceu melhor do que o que tenho hoje, em que é frequente o porteiro da noite dormir em serviço, por exemplo."

Para convencer os condôminos de seu prédio, a síndica Bárbara Stutz, 38, diz que "houve um pouco de resistência das pessoas de mais idade, acostumadas a ter uma pessoa ali".

Para lidar com esse impasse, as empresas sugerem que seja contratado um auxiliar de serviços gerais em horário comercial para atender a demandas como receber encomendas -ou que o zelador absorva parte dessas funções.

Essa é também uma solução parcial para outro argumento apresentado pelos moradores contra a novidade: a dificuldade de recolocação profissional dos porteiros que são demitidos.

"É um pedido que partiu dos nossos próprios clientes, porque gerava um desconforto", afirma Mário Sérgio Sinokawa, da Focus Mind. "Posso aproveitá-lo como auxiliar daquele mesmo prédio, ou indico para que ele seja aproveitado em função similar em outras empresas."

Gerente comercial da DeltaOmega, Paulo Calabro diz que a empresa se envolve com a administração do condomínio para transferir os funcionários a outros prédios. "A rescisão é a maior dificuldade, mas toda vez nos envolvemos com a administração para tentar recolocá-los", diz.

"Mas é uma tendência tecnológica, como o cobrador de ônibus. A tendência é que esse profissional migre para outra área", afirma Calabro.

Segundo o Sindifícios (Sindicato dos Empregados em Edifícios e Condomínios de São Paulo), a cidade tem hoje cerca de 125 mil porteiros.

Presidente do sindicato, Paulo Ferrari diz ser "inadmissível" cuidar de uma portaria à distância. "Como você pode avaliar uma pessoa (pela câmera)? Como faz com uma criança que desce da condução e que o porteiro costuma receber?", exemplifica.

Para ele, um dos diferenciais da classe é justamente o relacionamento interpessoal, o "vínculo de amizade".

"Com a portaria eletrônica você perde esse vínculo, esse social." Ferrari diz que o sindicato tem feito um trabalho de contrapropaganda para convencer moradores a não optarem pela tecnologia, com algum sucesso. "Conseguimos mudar a opinião de moradores no Paraíso e em Moema", afirma.