Lar para mais de 5 mil pessoas, o edifício ícone da cidade de São Paulo chega aos 50 anos cheio de histórias
Na metrópole de dominantes linhas retas, o sinuoso Copan imanta os olhares e seduz os desejosos de ocupar um nicho no icônico edifício-cidade.
Saído da prancheta de Oscar Niemeyer por encomenda da Companhia Pan-Americana de Hotéis e Turismo, daí o título surgido de acrônimo, o hiperbólico prédio chega ao cinquentenário envolto em tantas histórias quão variada é a população que fervilha por suas 1.160 unidades, 968 delas constituídas de um modesto dormitório, a popular quitinete.
Vinte anos depois de erguido sob a égide da pujança da metrópole, o Copan começou a espelhar a degradação da região central de São Paulo. Os corredores foram tomados de lixo, as brigas entre vizinhos se tornaram corriqueiras, os assaltos eram quase rotina e o tráfico de drogas ali encontrou abrigo. O caos culminou em corte de luz e 15 dias de escuridão. O gigante agonizou, mas sobreviveu.
Recuperado, o Copan hoje é o lar de 5 mil moradores de todos os naipes, uma multidão a consumir 400 mil litros de água por mês e 30 mil quilowatts de energia e a produzir 75 mil toneladas de lixo. Como nada fica incólume à passagem do tempo, o prédio enfrenta um lifting, uma levantada na aparência da fachada, com a troca de 46 mil metros quadrados de pastilhas. A cirurgia tem prazo de conclusão em 2019.
Edyr Sabino
No coração da cidade, em plena Avenida Ipiranga, o Copan abriga tanto recém-chegados à metrópole quanto moradores que vieram antes da inauguração, em 1966. O fotógrafo Edyr Sabino, 60 anos completados dias antes de o edifício virar cinquentão, chegou aos 7 anos, acompanhado do pai e de tios vindos do interior para morar em modestos 29 metros quadrados.
“Muitos blocos ainda não estavam prontos e havia andaimes e tapumes do lado de fora.” Hoje vive no maior apartamento do prédio. Juntou duas unidades do Bloco D, formando um latifúndio de 440 metros quadrados e 24 cômodos divididos com a mulher e dois filhos.
A decoração sofreu intervenções. Sobre o clássico piso de tacos de madeira, a filha mais nova colocou fita-crepe para imitar pistas de atletismo. “A Helena vive inventando brincadeiras aqui porque não temos área de lazer, o que faz muita falta.”
Para ele, apesar do grande número de moradores, ou talvez por isso mesmo, falta humanidade. “Nem fico sabendo quando morre algum vizinho. As pessoas não interagem, não sei se isso é normal de São Paulo ou se é do Copan.”
Cine Copan
Cine Copan, sala de 3 mil lugares foi desativado em 1986 (Foto: Fernando Pimental/Estadão Conteúdo)
Dezoito andares abaixo, Vânia Toledo divide cerca de 200 metros quadrados com o filho. “O Copan me coube direitinho”, diz a fotógrafa de 71 anos que morava num espaçoso apartamento de 450 metros quadrados em Higienópolis.
“Sou mineira, gosto de casa grande, mas aqui é mais aconchegante. Tem o Café Floresta na minha porta, é só descer, e, se eu quiser comer um pãozinho, viro à direita.” Ela refere-se a dois dos 72 estabelecimentos comerciais do andar térreo, a variar de salões de beleza a restaurantes, fora uma sobrevivente locadora de filmes.
“Há todo tipo de realidade no Centro, é bem democrático. Aqui há apartamentos gigantes e quitinetes”, avalia a fotógrafa, para quem a mudança de bairro não foi somente geográfica. “A sala é meu estúdio, a luz lateral que entra pela janela é linda, mudou minha forma de iluminar as fotos.”
Jorge Ribeiro Sales, 90 anos a serem completados em agosto, optou por morar no Copan em 1992, depois de se desquitar. “Não repara na bagunça, solteiro é assim mesmo”, diz o harpista, que adora a condição privilegiada de estar no meio de tudo e somente reclama da invasão de “umas baratinhas pequenas que ninguém consegue resolver”.
Jorge Ribeiro Sales
Nos 29 metros de seu apartamento acomoda a harpa, um piano de armário e muitas fotografias da família e dos tempos de turnê em festivais europeus. “Fui músico muito tempo. De 1964 até hoje são quantos anos?”, pergunta, enquanto guarda a carteira profissional no armário e explica que serve de identidade, mas jamais a tira de casa. “Tenho medo de perdê-la.”
Enquanto Sales repassa mental e afetivamente os 50 anos de carreira, jovens em início de vida profissional chegam para ocupar um apartamento. O curitibano Guilherme Magalhães vem acompanhado de um par de gatos e dois amigos, todos na faixa de 20 anos, para trabalhar em São Paulo. Acabam de se formar em jornalismo.
“Em 15 dias de Copan posso dizer que tem sido muito bom. Preferi dividir um apartamento bem localizado a morar sozinho num lugar afastado. Sempre gostei muito de ter opções culturais e aqui elas não faltam.” Os recém-chegados acham, por enquanto, que ali impera um jeito comunitário de viver. “Cada bloco é um Copan, mas o térreo, onde todos se encontram, é bem democrático.”