Segundo especialistas, acordo e até ações judiciais podem alterar cobranças
O primeiro tópico do artigo 1.336 do Código Civil é simples e direto: estabelece como dever do condômino “contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção”. Mas o que cabe nessas poucas linhas não é suficiente para evitar muita confusão entre vizinhos. Não faltam moradores insatisfeitos com o critério recomendado ou a definição prevista nas suas respectivas convenções. E é aí que começa um cabo de guerra, cujo embate, muitas vezes, vai parar na Justiça.
O advogado Valter Vivas, que presta atendimento jurídico à administradora de condomínios e imóveis Apsa, afirma que, apesar da existência da lei, não há muita segurança quando o assunto é a taxa que cabe à cada unidade. Como ele observa, já existem muitas ações judiciais em curso, e começa-se a pensar em construir novos parâmetros.
— O problema surge do conceito de fração ideal. Diferentemente do que muitos pensam, não se refere apenas à metragem. As incorporadoras, ao criarem seus memoriais e registros, estipulavam as frações ideais de cada unidade de acordo com o valor do imóvel em si. Antigamente, por exemplo, muitas coberturas não eram valorizadas. Existiam neste andar casas funcionais de zelador. O valor da fração ideal poderia ser, então, por um imóvel ser de frente ou em andares mais altos, por exemplo. Não era apenas o tamanho que definia — comenta Vivas.
EM BUSCA DE TAXAS MAIS JUSTAS
O advogado Arnon Velmovitsky, especialista em direito imobiliário, também reconhece que o critério legal, que é aquele presente na convenção, nem sempre é o mais justo.
— É o caso de um prédio de cinco apartamentos, no qual a cobertura tenha uma fração ideal de 2/6 e o critério de cobrança leve em consideração justamente esta proporção. Se mora apenas uma pessoa ali e nos demais apartamentos vivem seis, o morador da cobertura pagará um condomínio equivalente ao dobro das demais unidades, ainda que e a utilização referente ao seu imóvel seja a que menos gastos traz para o condomínio, já que o consumo de água e energia é muito menor — exemplifica o advogado.
É justamente este o raciocínio da médica Luciana Nicodemus. Ela mora em uma das 48 coberturas num condomínio de 144 unidades em Petrópolis.
— Acho errado, porque a gente não usa o dobro dos recursos nas áreas comuns em comparação ao restante dos moradores. Uso a academia e a pista de caminhada igual a todos. Acho que seria justo pagar proporcionalmente apenas gastos que, de fato, são maiores, como uma pintura externa, já que tenho dois andares — defende.
Como os moradores dessas áreas são minoria no condomínio, Luciana afirma que eles nunca conseguiram votar uma alteração para que a taxa fosse calculada sobre novas proporções.
— Sempre que tocava neste assunto durante as reuniões, as pessoas ficavam apreensivas, pois temiam um aumento nas taxas — diz.
ACORDO NA JUSTIÇA
Se uma discussão dessas rende pano para manga numa reunião de condomínio, na Justiça não é diferente. Por isso, como avisa o advogado Renato Anet, quem estiver disposto a levar um caso desses às últimas consequências precisa ter paciência.
— Costumam ser processos muito longos. O caso exigirá, por exemplo, uma prova pericial para comprovar como as despesas que geram o rateio são consumidas igualmente. E como não é um processo muito comum, ainda não existe um histórico de casos anteriores que possam nortear os novos. Isso mudaria se o Superior Tribunal de Justiça batesse o martelo em uma decisão, fazendo com que pudesse ser aproveitada como base para outras — prevê Anet.
O morador de um prédio de cinco unidades em Ipanema, que prefere não se identificar, vivenciou uma discussão deste tipo na Justiça. Como um dos apartamentos era um triplex e o responsável pagava a mesma taxa que todo mundo, ele e outros moradores quiseram que isso fosse revisto.
— Convoquei uma assembleia e, com a maioria favorável, decidimos que o morador do triplex deveria pagar uma taxa compatível com o tamanho do imóvel. Ele teria, então, um aumento de aproximadamente 150% na despesa. Mas o proprietário recorreu na Justiça e, no meio do caminho, fizemos um acordo, fixando um reajuste de 80% na parte dele — relata.
Segundo o advogado André Luiz Junqueira, autor do livro “Condomínios - direitos e deveres”, há casos em que moradores conseguiram até mesmo receber pagamento retroativo após acionarem a Justiça. Um deles aconteceu também em Ipanema, quando o proprietário de uma cobertura não concordou em pagar mais até do que outras coberturas do mesmo prédio.
— Ele moveu uma ação e passou a pagar o mesmo que as outras unidades com o mesmo perfil. Além disso, teve o direito de receber tudo o que pagou a mais nos cinco anos anteriores. A convenção havia sido definida legalmente, mas o Judiciário não entendeu porque ele pagava a mais e anulou o que havia sido definido — relata.
A administradora Selma Fonseca participou ativamente de uma discussão sobre a cobrança de condomínio por fração ideal no prédio onde reside, no Recreio. A taxa já era definida sob este critério, mas não abrangia as áreas ampliadas. Alguns residentes, então, pediram que esses espaços fossem incorporados ao cálculo.
— Fizemos um trabalho para mostrar a todos como as áreas ampliadas não faziam parte da área comum. E, no nosso caso, já tínhamos a cobrança do consumo de água feita individualmente, o que torna essa visualização muito mais fácil. Todos os argumentos foram apresentados juntamente com um parecer jurídico, o que reforçou a confiança das pessoas. Todos entenderam os argumentos, e seguimos vivendo em paz — comemora ela.
Moradora de uma das coberturas, Selma paga conforme a proporção do primeiro pavimento. Se o segundo fosse incorporado ao cálculo, ela teria um aumento de 70% na taxa de aproximadamente R$ 1.300 que paga mensalmente.
— Uma conversa amigável, com bons argumentos, é sempre o melhor caminho — conclui.
ÂNIMOS CONTROLADOS
Segundo o advogado André Luiz Junqueira, a história de Selma é um ótimo exemplo para quem busca uma solução.
— A dica é tentar discutir em assembleia, levando suas razões, sem achar que o outro está te roubando — recomenda ele, dizendo que este é um pensamento recorrente entre as pessoas que sentem em desvantagem. — Não havendo acordo, aí, sim, pode ser o momento de buscar o Judiciário.
Mas, antes disso, como Junqueira lembra, há outro recurso capaz de solucionar o problema: a Câmara de Mediação do Sindicato da Habitação (Secovi).
— Percebemos que muitos problemas não são resolvidos em reuniões de condomínio por causa do calor da emoção. Na câmara de negociação, a presença de um mediador e de um número reduzido de pessoas pode fazer com que os argumentos fiquem mais claros. E isso pode representar uma economia de tempo e dinheiro, ao evitar uma ação no Judiciário — afirma o advogado.