A decisão de arcar com a obra foi tomada pelo conselho de moradores
Em maio de 2015, um alvoroço tomou conta da Rua Potiraguá, em Pernambués, quando vários estalos puderam ser ouvidos na estrutura do edifício Jardim Brasília. Com o risco eminente de desabamento, moradores do prédio e dos condomínios vizinhos entraram em pânico e abandonaram seus apartamentos.
A Defesa Civil de Salvador (Codesal) então decidiu por interditar não apenas o Jardim Brasília, mas também os edifícios vizinhos Vale Verde e Murta, obrigando aos condôminos a buscarem um novo teto por conta própria, enquanto que a Secretaria Municipal de Urbanismo (Sucom) constatou irregularidades graves na alvará da obra, e até mesmo de outras obras realizadas pelo mesmo construtor.
Um ano após o ocorrido, devido à lentidão do processo na Justiça, os moradores do Jardim Brasília decidiram arcar com uma obra de reforma na sua estrutura a fim de retornarem a suas antigas moradias, no Pernambués, o quanto antes. A obra, que será realizada pela empresa Engebahia, deverá ser iniciada em julho, mas ainda não há previsão de retorno aos apartamentos.
As famílias de 30 unidades habitacionais do Jardim Brasília colaboraram com a “vaquinha”. O único apartamento a ficar de fora do esforço coletivo pertence aos proprietários do prédio. Segundo o síndico, Carlos André Rodrigues, a avaliação feita pela empresa contratada constatou que a inclinação do edifício não persistiu e que ainda há possibilidades de reparar o erro de construção. Com um Habite-se falso, o prédio foi erguido com oito pavimentos, mas só tinha autorização para levantar cinco andares.
A decisão de arcar com a obra foi tomada pelo conselho de moradores. “Não podíamos esperar uma resolução da Justiça. Estamos por conta própria, e todos estão em situação financeira delicada. Com muito esforço, fizemos uma poupança para custear o serviço”. A obra foi autorizada pela Sucom em abril, mas, por conta do início do período de chuvas, a empresa decidiu adiar o começo dos trabalhos.
Rodrigues preferiu não entrar em detalhes em relação ao valor final do serviço, mas explica que o valor não cobre nem metade de todas as despesas que os moradores estão tendo com advogados, seguro e condomínio.
No caso do síndico, por exemplo, ele e sua família foram morar em outro empreendimento no mesmo bairro, mas ainda paga a taxa de condomínio no Jardim Brasília, as prestações de outro apartamento no qual pretende morar futuramente, além do aluguel de sua residência temporária.
As dificuldades de quem perdeu o teto devido a uma construção sem planejamento adequado também são sentidas pelos demais condôminos. O servidor público Adriano Sanches, por exemplo, mora agora na casa de parentes de sua esposa, mas reconhece que sua situação talvez seja a mais tranquila entre os inquilinos. “Não é fácil sair de sua casa às pressas, um apartamento de 90m² para outro que tem quase a metade desse tamanho”, revela ele, sobre o que mais tem escutado nas reuniões de moradores.
Segundo Carlos André, o processo ainda corre na Justiça, porém todas as tentativas de chegar até os proprietários – identificados como Antônio e Solange de Jesus – foram inúteis.
“Ele [o proprietário] se isolou e não presta nenhum tipo de assistência aos moradores”, afirmou. O síndico afirma ainda que irá depor em uma audiência sobre o caso, no Ministério Público da Bahia (MP-BA), no próximo dia 2.
Vizinhos conseguiram voltar, mas preocupação persiste
Ao contrário do que aconteceu com o Jardim Brasília, os moradores dos edifícios Murta e Vale Verde, tiveram permissão de técnicos da prefeitura para retornar às suas casas. “Após alguns meses vivendo nesse aperto, nós procuramos os órgãos competentes, que fizeram uma nova vistoria e permitiram que a gente retornasse”, explica o empresário Emanuel Oliveira, que voltou ao Vale Verde em janeiro.
Mesmo com o alívio de reduzir os custos com aluguel, os vizinhos do Jardim Brasília não conseguiram retornar tão bem à suas rotinas. No tempo fora de casa, os condôminos acumularam mais gastos e problemas de saúde por conta da mudança repentina, e ainda não conseguem dormir com tranquilidade, enquanto não houver uma reforma definitiva no Jardim Brasília.
Durante os nove meses em que ficou fora da Vale Verde, Emanuel morou em um apartamento menor em Lauro de Freitas, pertencente a seu filho. Além da taxa de condomínio do prédio interditado, o empresário teve mais gastos com combustível - seu trabalho e a escola do seu filho mais novo são próximas ao Pernambués – e despesas com advogados do condomínio.
Ao todo, foram R$ 9 mil de gastos que não faziam parte do seu planejamento, ele calcula. Emanuel ainda se recupera de uma depressão que adquiriu nesta fase de transição, adquirida, principalmente pela rotina mais puxada para ir e voltar de Salvador todos os dias, morando em Lauro de Freitas, e pela preocupação com o imóvel antigo.
A aposentada Maria das Graças Cabral também convive com a angústia e o trauma de ter visto e ouvido as rachaduras que deram início ao pânico dos vizinhos, há um ano. Naquela época, ela havia acabado de fazer uma reforma em sua cozinha e no qual havia investido parte importante de sua renda. “Morei aqui por 33 anos e, de repente, me senti como se tivesse sido expulsa”.
Sem alternativas, ela alugou uma residência, comprometendo mais ainda seu orçamento, e que, assim como aconteceu com Emanuel,
levou a um quadro de depressão pelas mesmas preocupações.
A aposentada retornou ao Vale Verde há pouco mais de um mês, mas, de seu apartamento ainda é possível ver as rachaduras que a deixaram em estado de choque mp dia 21 de maio do ano passado. “Voltamos, mais ainda estou preocupada com a estrutura. Só irei me tranquilizar quando encontrarem uma solução definitiva para esse prédio vizinho”