O Brasil teve crescimento de 105,58% nas vendas de carros elétricos até 2024, mas enfrenta desafios como a falta de infraestrutura de recarga e resistência condominial
Estima-se que o Brasil emplacou cerca de 140 mil carros elétricos e híbridos até outubro de 2024, o que representaria crescimento de 105,58% na venda de carros eletrificados no país, conforme números fornecidos pela FENABRAVE - Federação Nacional de Distribuição de Veículos Automotores1.
Conforme estudo E-Mobility Scenarios 2030, da Bright Consulting, há uma tendência de incremento na venda de veículos elétricos, com o aumento da oferta e da redução de preços previstas para os próximos anos, de modo que se projeta um número de 1,4 milhão de carros elétricos no Brasil em 2030.
De olho na preservação do meio ambiente, alguns Estados concederam benefícios para os proprietários de veículos elétricos, a exemplo da dispensa da participação do sistema de rodízio em São Paulo e da isenção ou redução de IPVA em diversos Estados.
Contudo, um dos entraves ao crescimento da frota de veículos elétricos no Brasil deve-se a criação de obstáculos à expansão da infraestrutura de recarga. Escasseiam os equipamentos públicos de recarga disponíveis, de modo que algumas montadoras vendem o automóvel junto com o carregador residencial (home charger) ou Wallbox (carregador de parede). Como o período de recarga completa com o uso do Wallbox pode variar de 4 a 8 horas, costuma-se preferir este tipo de carregador devido ao fato do automóvel ficar mais tempo na residência do proprietário.
Entretanto, muitos condomínios residenciais vêm dificultando ou proibindo a instalação destes equipamentos; o que pode ser considerado um fator de desestímulo à aquisição de veículos elétricos. Não obstante as vagas de garagem em condomínios edilícios normalmente se sujeitarem à propriedade exclusiva, há que se considerar também que a rede de eletricidade condominial se sujeita ao uso comum dos moradores (CC, art. 1.331, § 2º). A instalação de grande número de carregadores pode sobrecarregar a rede do condomínio se não forem observados determinados parâmetros de segurança.
Quanto ao tema da instalação de tais dispositivos, identificamos caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O condômino ajuizou ação com pedido de tutela urgência contra o condomínio a fim de viabilizar a instalação do Wallbox diretamente no quadro de energia de sua unidade residencial, ou em tomada elétrica de outra unidade que já se encontra adaptada para tal, e assumindo todas as despesas referentes à instalação do equipamento.
Tal tutela de urgência foi indeferida pelo juízo de primeiro grau, o que levou a interposição de agravo de instrumento que foi conhecido e improvido, pois a desembargadora relatora considerou ser necessária a deliberação da assembleia condominial em vista do fato da instalação afetar a rede elétrica (que é de uso comum): "não haveria como se autorizar a instalação do dispositivo pretendido pelo autor sem que, antes se concedesse ao condomínio deliberar sobre a questão, até mesmo para a análise da padronização e segurança, a fim de evitar que cada um dos condôminos adote providência distinta, gerando uma infinidade de instalações ou, alternativamente, para que regulamente a utilização da tomada já existente no local por todos".2
Na França, o Code de la construction et de l’habitation regula tal infraestrutura de recarga, e atribui ao Conselho de Estado a competência para fixar as características mínimas dos equipamentos de recarga, especificando diversos aspectos relacionados à segurança (art. L113-11). O referido Code determina que as novas edificações já devem ser construídas com algumas vagas de estacionamento aptas a receber carregadores residenciais de veículos elétricos. As edificações não residenciais, por exemplo, com mais de dez vagas de estacionamento devem disponibilizar ao menos duas vagas pré-equipadas, ou seja, preparadas para receber tais carregadores (art. L113-12).
Já os condomínios residenciais não podem impedir a disponibilização a locatários ou possuidores de boa-fé de vagas aptas a receber carregadores de veículos elétricos e com medição individualizada de consumo, a serem instaladas às expensas deles, sem motivos sérios e legítimos, conforme parágrafo primeiro do art. L113-16 do Code de la construction et de l’habitation.
O segundo parágrafo do art. L.113-16 deste Code também reputa que a preexistência de tais instalações deve ser considerada como motivo sério e legítimo para fins do parágrafo primeiro, bem como a decisão tomada pela assembleia condominial de providenciar tais instalações em período de tempo razoável.
Contudo, o fato do direito positivo brasileiro não estipular regra idêntica em matéria de Direito Condominial não deve levar necessariamente a conclusão por um suposto direito dos condomínios de vetar em absoluto e de forma imotivada a instalação de carregadores residenciais.
No âmbito do Direito brasileiro, não se pode ignorar a existência do decreto Federal 10.531, de 26/10/20, que institui a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031, a prever a seguinte diretriz no anexo: "(.). Para a ampliação da participação das fontes renováveis na matriz energética, as orientações são: - estimular a competitividade das cadeias produtivas associadas à produção de energias renováveis; - aproveitar as potencialidades regionais na geração de energia renovável; - aumentar a competitividade dos setores de biocombustível, combustível derivado de resíduos e veículos elétricos ou híbridos; e - incentivar a pesquisa, a produção e o uso de combustíveis limpos na matriz energética brasileira".
A proibição imotivada da instalação de carregadores de veículos elétricos, porquanto implique em desestímulo à aquisição de tais automóveis, constitui patente violação a diretriz aprovada pela Administração Pública Federal no sentido de estimular a aquisição de tais automóveis.
Outrossim, a proibição da instalação de carregadores veiculares é semelhante ao caso da proibição de antenas parabólicas em edifícios residenciais, julgado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão. Naquele caso, o tribunal concluiu que o direito fundamental à informação inclui o acesso aos equipamentos necessários para exercê-lo.3
O caput do art. 225 da CF/88 assegura a todos o direito ao "meio ambiente ecologicamente equilibrado", impondo ao "Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". É inegável, portanto, a existência de interesse público e social na expansão da frota de veículos elétricos, em vista das inúmeras vantagens para o meio ambiente.
A consecução do objetivo da preservação do meio ambiente não pode prescindir deste importante instrumento que pode ser identificado nos veículos elétricos. Cabe aos condomínios edilícios, portanto, o dever de cooperar para a viabilização da instalação de tais carregadores elétricos.
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1 FOGAÇA, André. Brasil vende mais carros eletrificados em 10 meses do que em 10 anos; veja os mais vendidos. G1, 15 de novembro de 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/carros/noticia/2024/11/15/carros-eletrificados-veja-os-mais-vendidos.ghtml Acesso em: 22 de janeiro de 2025.
2 "AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. AÇAO DE OBRIGAÇAO DE FAZER. INSTALAÇÃO DE PONTO DE CARREGAMENTO EXTERNO DE VEÍCULO ELÉTRICO (WALLBOX) EM REDE DE ENERGIA DE PRÉDIO RESIDENCIAL. UTILIZAÇÃO DE INSTALAÇÕES COMUNS DO CONDOMÍNIO. NECESSIDADE DE PRÉVIA APROVAÇÃO EM ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL. PROBABILIDADE DO DIREITO. AUSÊNCIA. 1. Para que seja concedida a tutela de urgência requerida pelo autor/agravante, é necessário que se cumpram os requisitos previstos pelo art. 300, Caput, CPC, quais sejam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. Ao autor/agravante compete a demonstração do fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, CPC). 3. A instalação de ponto de carregamento externo para veículo elétrico (Wall Box) na rede de energia de prédio residencial deve ser precedida de solicitação feita à administração do condomínio, em conformidade com as normas previstas na respectiva convenção". (TJDF - Processo 07340983220228070000 - 3ª Turma Cível - j. 11/5/2023 - julgado por Ana Maria Ferreira da Silva - DJFe 29/5/2023).
3 A decisão em questão foi tomada pelo Primeiro Senado do Bundesverfassungsgericht: BVerfG, j. 9.2.1994, 1 BvR 1687/92 - Parabolantenne I. Disponível em: https://www.bundesverfassungsgericht.de/SharedDocs/Entscheidungen/DE/1994/02/rs19940209_1bvr168792.html Acesso em: 23 de janeiro de 2024.
Venceslau Tavares Costa Filho
Advogado e vice-presidente da ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões de Pernambuco. Mestre e doutor em Direito Civil pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.