Racismo em condomínios

Síndicos podem fazer a diferença além das leis

O racismo, infelizmente, persiste em diversos espaços sociais, incluindo os condomínios. Esses locais, que deveriam ser exemplos de convivência e respeito, têm sido palco de episódios lamentáveis de injúria racial. Casos recentes e alarmantes reforçam a urgência de ações concretas para combater essa prática criminosa, enquanto legislações locais, como a Lei nº 10.102/2025, sancionada em Sete Lagoas (MG), destacam a importância de responsabilizar síndicos e administradoras na luta contra o racismo.

Dentre os casos recentes, destaca-se o de Vila Velha (ES). Um policial civil aposentado foi preso por injúria racial durante uma eleição para síndico. Ao perceber que perderia para o atual gestor, um homem de 70 anos, o agressor proferiu insultos como “macaco” e “caranguejo preto sujo”. Apesar de já ter sido vítima de racismo anteriormente, o síndico nunca havia denunciado, o que reflete o medo e a desconfiança no sistema de justiça. O condômino foi solto no dia seguinte, sem pagamento de fiança, reforçando a sensação de impunidade.

Outro caso emblemático ocorreu em um condomínio na Zona Norte de São Paulo, onde uma menina negra de 12 anos foi alvo de racismo, gordofobia e xenofobia. A filha do síndico fez declarações como “pretos deviam morrer” e ameaçou “esfolar” a vizinha para “clarear”.

As ofensas foram gravadas e entregues à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, mas a resposta inicial foi considerada insuficiente pela família da vítima. O síndico, por sua vez, reprovou a atitude da filha e lamentou as agressões.

Esses episódios são apenas a ponta do iceberg. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que os processos judiciais relacionados ao racismo aumentaram 64% em 2024, totalizando 5.552 novos casos. Atualmente, mais de 12 mil processos aguardam julgamento, evidenciando a lentidão do sistema e a suavidade das punições.

Exemplo de avanço

Este mês, Sete Lagoas implementou uma lei que obriga condomínios residenciais a comunicarem casos de racismo e injúria racial à Delegacia Especializada no prazo de 24 horas. A legislação também determina que síndicos e administradoras afixem cartazes ou placas nas áreas comuns, incentivando a notificação com garantia de anonimato, e impeçam a entrada ou permanência do agressor, em caso de flagrante, até a chegada da polícia.

O descumprimento da lei pode levar à destituição do síndico e multas de até R$ 3.000 em caso de reincidência. Essa legislação complementa iniciativas anteriores, como a lei municipal que instituiu o “Dia de Mobilização pelo Fim da Subnotificação de Casos de Discriminação”, realizada anualmente em 12 de maio.

*Síndicos na luta contra o racismo
Embora legislações como a de Sete Lagoas sejam um avanço, os síndicos não precisam esperar por leis para agir. Com mais de 12% dos endereços brasileiros localizados em condomínios, segundo o Censo 2022, esses gestores têm um papel fundamental na promoção de convivência saudável.

Além de ações preventivas, como campanhas educativas e canais de denúncia, os síndicos podem atuar em casos de flagrante, garantindo que os responsáveis sejam levados à justiça. A iniciativa na gestão é essencial para evitar que o silêncio perpetue o racismo.

Mobilização nacional

A luta contra o racismo exige esforços coletivos. Neste fim de semana, o Ministério da Igualdade Racial firmou um acordo com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) para desenvolver campanhas educativas por meio de plataformas como Uber e iFood. A iniciativa busca conscientizar motoristas, entregadores e usuários sobre o crime de racismo e suas consequências.

No Brasil, o racismo é crime inafiançável e imprescritível, conforme a Lei nº 7.716/1989. Em 2023, a legislação foi atualizada para equiparar a injúria racial ao crime de racismo, reforçando o combate a essa prática.

Condomínios, que representam um em cada oito endereços no Brasil, também podem aderir ao movimento por serem reflexos da sociedade e, portanto, locais de inclusão e respeito.

A ação conjunta e a coragem para denunciar são passos fundamentais para erradicar o racismo, um crime que fere a dignidade humana e corrói os alicerces da sociedade. É responsabilidade de todos – síndicos, moradores, legisladores e cidadãos – combatê-lo em todos os espaços.

(*) Cleuzany Lott é advogada especialista em direito condominial, cursando MBA Administração de Condomínios e Síndicos com Ênfase em Direito Condominial (Conasi), síndica, jornalista, Diretora Nacional de Comunicação da Associação Nacional da Advocacia Condominial (ANACON), diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM), produtora de conteúdos e apresentadora do podcast Condominicando. (@cleuzanylott)