IGUALDADE DE DIREITOS

Juiz condena moradora a indenizar vizinho gay que foi ofendido em condomínio de Londrina

A moradora de um condomínio de Londrina foi condenada a pagar R$ 12 mil por censurar a presença de seu vizinho, do namorado dele e de um amigo do casal na piscina do prédio, em novembro de 2020. Ela não gostou de ver um deles ensinando o outro a flutuar na água.

A situação foi presenciada por mais pessoas que também estavam na piscina, incluindo crianças acompanhadas de seus responsáveis legais que não viram qualquer conduta inapropriada no comportamento do trio.

O morador, chateado com o ocorrido, voltou para seu apartamento com os outros dois homens e, mais tarde, foi tirar satisfações com a vizinha, acompanhado de seu colega de apartamento. Na conversa, que acabou sendo gravada, ela chega a admitir que sabe que o vizinho é gay “há vários tempos”. “Ele me contou e eu aceitei. Eu não aceito, mas eu respeito e mantive a amizade”, afirma ela em trecho transcrito na sentença proferida pelo juiz Marcos Caires Luz no dia 6 de setembro.

Na decisão judicial, o magistrado ressalta os direitos de qualquer casal, heterossexual ou não, a manter contato corporal mais intimista, desde que não afete o bem-estar das outras pessoas. Na audiência de instrução, a moradora argumentou que as atitudes geradoras do conflito seriam toques nas costas e barriga, “além de as partes se chamarem de ‘amor’”, e que, embora não tenha havido lascividade entre eles, ela receava “quanto ao possível desenrolar dos atos”.

O juiz, entretanto, reconhece que “conduta do autor (ensinar o namorado a boiar) não é ato determinante para que seja causado constrangimento aos demais frequentadores do ambiente público presentes no momento do ocorrido, ou seja, não denota ato inapropriado ao ambiente público. Dessa forma, conforme o caso exposto em tela, não há impedimento quanto a atitude do autor, já que não ofende ou atenta contra o pudor médio social”.

Ele também ressalta o fato de o vice-síndico e dos responsáveis por crianças estarem no mesmo ambiente e não reconheceram qualquer conduta imprópria por parte do morador, seu namorado e do amigo deles. “Diante o narrado, retirando-se a lascividade (‘agarra-agarra’) em que a ré tenta justificar sua atitude, resta presente o ato discriminatório provido pela ré contra o autor”, aponta o juiz.

Caires Luz reconhece, na sentença, que “o momento é de afirmação de liberdades e reconhecimento de direitos fundamentais de todos os indivíduos, com aceitação e convivência de pessoas diferentes, sendo todos, ainda assim, portadores de igual dignidade” e não vê qualquer inadequação na demonstração de afetividade em local frequentado por famílias, idosos e crianças, “seja no campo heteroafetivo ou homoafetivo”.

Além disso, ressalta que a liberdade de orientação sexual é assegurada pela Constituição Federal, em seu quinto artigo. “A ré, ao desrespeitar um dos princípios basilares da carta magna, adentrou na esfera de direitos do autor, que integra traço inerente, essencial à personalidade de cada ser humano, discriminando-lhe direta ou indiretamente, além de causar-lhe sentimento de vergonha”, registra o juiz.

Para os profissionais da Carneiro, Vicente e Colli Advogados, a sentença se sobressai devido à visão progressista do magistrado. “O judiciário, por mais avançado que esteja, percebo que é bastante conservador. A sentença é bonita de ver: a forma como o juiz entendeu que é direito de todo casal de estar na piscina, de se tocar e de fazer qualquer coisa que um casal heterossexual pode. Trabalho há bastante tempo nesta área, não esperava uma sentença tão humana e progressista”, disse Paulo Carneiro, um dos sócios do escritório de advocacia.