Percentual de pessoas com débitos em atraso aumentou entre 2022 e 2023, segundo monitoramento da fintech CondoConta.
Ter certas comodidades as quais, muitas vezes, é inviável acessar quando se é o único morador de um local é uma das vantagens de se morar em condomínio, seja ele de casas ou apartamentos. O custeio da estrutura - que cada vez mais as construtoras tornam diversificada e ampla - cabe a todos. Mas têm horas que a capacidade financeira do prédio e de quem mora nele não "habitam" a mesma sala. E aí, a inadimplência bate à porta de todos. Soma-se a isso a cobrança de cotas extras e o passo para o descontrole financeiro - do condomínio e do morador - está dado.
O percentual de pessoas com débitos em atraso passou de 15% para 20% entre 2022 e 2023, conforme análise da fintech CondoConta.
A deterioração da situação financeira de muitas famílias está atrelada, na visão da fintech, a dois fatores: As condições macroeconômicas, como inflação global e conflito Rússia-Ucrânia, e escassez de crédito: com a manutenção da taxa básica de juros em 13,75% por um ano inteiro, muita gente teve mais dificuldades em contratar recursos extras.
A fintech chegou ao percentual de inadimplência por trabalhar com recebíveis cedidos pelos prédios. Na prática, ela antecipa para os prédios os valores da taxa condominial. Os moradores, por sua vez, passam a pagar o condomínio para ela. Quando alguém atrasa o pagamento, passa a dever para a fintech e lida com o mesmo percentual de juros previsto na convenção do condomínio. Em prédios construídos a partir dos anos 2010, o padrão de cobrança é 1% de juros e 2% de multa mensal. Mas em muitas construções mais antigas, os juros ficam acima dos dois dígitos.
Taxa de condomínio: já ouviu falar?
Os débitos em aberto também crescem apoiados em outro fator: desconhecimento.
"Em muitos casos, os moradores acham que o pagamento do financiamento é a única responsabilidade mensal. Esquecem a obrigatoriedade da taxa condominial, taxa de lixo, custos de salão de festas e outra rubricas. Há no mercado a percepção de que 20% da inadimplência, em média, é gerada pelo desconhecimento", diz Rodrigo Della Rocca, cofundador da fintech CondoConta.
Inadimplência X cotas extras
O valor médio de condomínio no Brasil é de R$ 150, conforme análise da fintech CondoConta. O valor, que pode ser considerado "baixo" por alguns, se justifica pela quantidade de unidades existentes em cada prédio, especialmente nas novas unidades habitacionais ligadas à políticas como Minha Casa, Minha Vida.
Por outro lado, ainda que "acessível", o valor pode gerar dívida que se torna inviável de ser quitada pelos moradores. Quando isso acontece, o débito é executado e o imóvel vai à leilão. Mas antes, disso, em geral, as gestões dos prédios tentam evitar o "pior cenário".
Um caminho é o uso do fundo de reserva para evitar que a falta de pagamento de um afete o bom funcionamento do prédio para todos.
Pedro Theberge, membro do Serur Advogados, destaca que a Lei nº 4.591/64 prevê que na convenção de condomínio deve constar qual é forma de contribuição para o fundo de reserva ser formado. Em geral, é calculado como um percentual entre 5% e 10% da arrecadação condominial. E outro problema reside aqui, na avaliação da CondoConta.
"Na maior parte dos casos as previsões orçamentárias aprovadas são muito baixas, para não tornar o valor da taxa mensal alto. ’Sem gordura’ para lidar com imprevistos e tendo inadimplência, invariavelmente o síndico vai precisar criar cotas extras. Isso acaba impactando especialmente os ’bons pagadores’ que precisam contribuir ainda mais para tentar manter o funcionamento da estrutura’, analisa Della Rocca.
Theberge, do Serur Advogados acrescenta. "Não há dúvidas que é nas taxas extraordinárias que mora o grande ruído no ecossistema do condomínio. A lei brasileira não estabelece número máximo ou limites objetivos em relação a essas chamadas. Cabe à assembleia soberana instituir, elevar, reduzir ou extinguir as cotas extraordinárias".
Com esse desenho, fica fácil entender porque, mesmo com fundo reserva, muitos moradores se veem com cotas extras ao longo de um ano inteiro, alterando por completo a previsão de orçamento pessoal com gastos com moradia.
Para além da inadimplência, cotas extras podem ser geradas por outros fatores. O advogado frisa que, em casos específicos, mesmo uma despesa tipicamente fixa pode se tornar uma taxa extraordinária. "É o que ocorre, por exemplo, quando por algum motivo a conta de água alcança um valor excepcionalmente alto em determinado mês. Nesse caso, pode ser fixada uma cota extraordinária para garantir a quitação do serviço", diz.
Com tantas variáveis que podem influenciar o bolso das famílias que buscam comodidade e mais segurança nos prédios, Della Rocca aponta que um dos caminhos para diminuir os custos dos proprietários dos imóveis é profissionalizar, ao máximo, a gestão. "A modelagem de gestão precisa ser igual ao de uma empresa. Tercerizar o serviço de segurança, de limpeza, e de cobrança do condomínio com a cessão de recebíveis é um caminho para mitigar problemas", sustenta. "Aquele condomínio que não cria mecanismos eficientes vai pressionar os bons pagadores, que podem se tornar os novos inadimplentes", alerta.
Saúde do condomínio em dia
Quando há uma boa gestão, reparos emergenciais são feitos usando os valores do fundo sem comprometer a rotina mensal dos condôminos. Eventualmente, a Assembleia Geral pode até aprovar a conversão de parte excedente dessa verba para melhorias no condomínio, o que pode agregar valor ao prédio ou conjunto de casas.
Mas, ainda assim, é possível que cotas extras sejam necessárias. Pedro Theberge, membro do Serur Advogados cita outros exemplos de cobranças que podem ser feitas como cotas extraordinárias (não previstas do condomínio):
Lays Marques Bizarria, sócia do escritório VNP Advogados, explica que em algumas situações o síndico pode aprovar gastos extras caso a obra se mostre mais cara que o previsto. Um exemplo disso é em caso de problemas em obras ou reformas já em andamento e, que se não resolvidos, podem impactar negativamente a vida de todos. Mas, ainda assim, alguns passos precisam ser cumpridos e pelos moradores cobrados e acompanhados.
O VNP Advogados lembra que é possível, durante a aprovação da obra em assembleia, estipular um teto de gastos para o síndico, para que não precise convocar uma nova assembleia toda vez que houver uma variação nos custos da obra, bastando o "ok" do conselho fiscal ou da comissão de obras do condomínio.
Bizarria reforça, ainda, que independentemente de obras emergenciais ou não, o síndico deve apresentar notas fiscais de todos os gastos realizados anualmente ou sempre que solicitado por qualquer condômino. E, aqui, reside outro ponto de tensão.
As funções de síndicos e gestores profissionais não são reguladas, ou seja, não são acompanhadas por conselhos de classe. Logo, tudo depende da base da confiança que as regras serão seguidas e que boas práticas serão executadas por quem está fazendo a gestão de recursos de terceiros.
Quando houver suspeitas de desvios, abusos ou má gestão financeira, os condôminos podem buscar a Justiça. No entanto, a advogada ressalta que se apenas uma pessoa não concordar com as contas, ele não pode ingressar com uma ação judicial.