O debate da natureza jurídica dos condomínios
Esquenta na Câmara dos Deputados uma discussão presente nos livros jurídicos que pode trazer grande impacto no mercado de imóveis de todo o país: a natureza jurídica dos condomínios. A discussão, que não é recente, traz o debate a respeito de como a legislação brasileira enxerga essa categoria jurídica, bem como os efeitos a partir disso.
Mais do que preencher páginas de livros, entender a natureza jurídica permite – ou proíbe, a depender do caso – a aplicação de determinada regra jurídica aos condomínios. Existem autores e pesquisadores de respeito no Brasil que defendem ao menos duas posições contrárias a respeito: o condomínio como propriedade horizontal e o condomínio como pessoa jurídica.
Se me permitem, explicarei com frutas.
Há quem defenda o condomínio ser entendido como propriedade. Seus condôminos, seriam entendidos como titulares de pequenas frações do imóvel, a ser representado por um síndico. Dessa maneira, o condomínio seria uma grande área comum, de propriedade de todos, com delimitação de pequenos espaços particulares: apartamentos, casas, boxes, vagas de garagem.
Guardadas as devidas proporções, equipare essa tese a uma laranja. Ainda que com camadas e gomos, não há como pensá-la como uma estrutura autônoma. Tudo ali forma uma laranja, que deixa de ser o que é sem os gomos.
Tal entendimento (o da propriedade, não das laranjas) é o que se encontra na lei brasileira.
De outro lado, existem defensores da tese de que um condomínio seria uma entidade autônoma em separado dos seus condôminos, como se fosse uma pessoa a parte. Não sendo pessoa natural (como você e eu), um condomínio seria entendido pelo direito como uma pessoa jurídica.
Em nosso exemplo, o condomínio seria semelhante a um cacho de bananas. Ainda que se destaquem uma ou outra banana, um cacho continuará sendo um cacho. Existe junto com as bananas e além das bananas.
Acontece que a lei brasileira define atualmente, com certa limitação, a natureza das pessoas jurídicas: sociedades, associações, fundações, partidos políticos, entidades religiosas. E a nenhuma delas se encaixaria o complexo universo dos condomínios. Necessário seria, portanto, a mudança da lei para criar uma figura nova, concedendo personalidade jurídica aos condomínios.
E é o que está a ser feito em Brasília. O Senado Federal já aprovou o projeto de lei relativo ao tema, criando personalidade jurídica aos condomínios. De acordo com a Constituição, o projeto seguiu para a Câmara dos Deputados para análise e votação. Se aprovada, a lei transformará condomínios em pessoas jurídicas plenas.
Aqui reside um problema: a natureza das coisas. Voltemos à feira. Laranjas e bananas são frutas. Doces. Amareladas. Nutritivas. Mas não são a mesma coisa. Diferem na textura. No sabor. Nos nutrientes. E a natureza distinta resulta em propósitos distintos. Exemplo? Não se faz suco de banana. Muito menos vitamina de laranja.
E o que isso importaria aos atuais condomínios? Muito.
Vale pontuar, desde já, que não cabe aqui debater quem está certo na história. Mas existem fatos. A falta de personalidade jurídica já pôs os condomínios em maus lençóis. A característica de propriedade em muito limitou a gestão. A lei e os tribunais concederam alguns benefícios de ordem administrativa ao longo do tempo: emissão de CNPJ, capacidade de ingressar com ação judicial, possibilidade de compra de terreno alheio para expansão.
De tempos em tempos, um ou outro aditivo é inserido na “fruta” questionada, para melhor gestão. Mas hoje enfrenta-se a questão de entender qual é a real natureza dos condomínios. Uma possível mudança de natureza pode trazer impactos nos registros públicos, na administração condominial, na concessão de direitos, nos tributos, no ingresso ao Judiciário, dentre outros que só o tempo e a prática demonstrarão.
Pela importância da discussão, cabe amplo debate. Independentemente do resultado na lei civil, é um tipo de tema que não poderá ser discutido a todo tempo. A cautela é devida e cabe reflexão, inclusive, de quem será mais impactado. O convite que cabe aos condomínios, portanto, é de se fazerem presentes na discussão através da sociedade civil e de se precaverem juridicamente de eventuais mudanças legais.
Do contrário, o gosto da fruta pode ser outro da próxima vez – e ninguém garante qual será o sabor.
Tiago Almeida Alves é advogado graduado em Direito pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito). Contato: tiagoalmeidaalves.adv@gmail.com