No Dia do Professor, g1 conta a história de Maria Nirce, que tem dado aulas voluntariamente a Laurita e Antonio, de 44 e 55 anos, que não tiveram a oportunidade de estudar na infância
Educar sempre foi a paixão de Maria Nirce Previdente Sanches. Professora aposentada há 27 anos, hoje, aos 75, ela está resgatando a antiga vocação e mostrando que nunca é tarde para ensinar – e aprender – ao alfabetizar dois funcionários do condomínio onde mora, em São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
Aos 44 e 55 anos, Laurita Maria de Jesus e Antonio Rodrigues Mororó são exemplos de dedicação. Com lápis, cadernos, cartilhas de alfabetização e até lousa, os alunos, que já conhecem o alfabeto, estão formando sílabas e construindo palavras pouco a pouco.
As aulas são no quiosque do condomínio, sempre no intervalo do trabalho, de segunda a sexta-feira.
“Eu sempre tive vontade de estudar, porque um pouquinho que a gente aprende é sempre bem-vindo. Para mim, está sendo ótimo, porque não é qualquer pessoa que dá essa oportunidade para a gente. São poucos que falam ‘eu vou te ajudar’”, conta Laurita.
“Eu já estou aprendendo algumas coisas. Tem dia que a cabeça não está legal, a gente erra e assim vai. Mas é com os erros que a gente aprende. Eu acho que estou indo bem”, comemora.
Mais do que uma oportunidade, para Antonio, é a realização de um sonho. Ao g1, ele contou que acreditava que não teria uma nova chance de estudar.
“Graças a Deus, estamos realizando esse sonho de aprender. Eu nem pensava mais em estudar, porque não é todo mundo que quer ajudar a gente hoje. Eu agradeço demais à dona Maria, e sei que ela faz de coração. Ela tem a boa vontade de ajudar, e a gente está tendo a boa vontade de querer aprender. Eu estou agarrando a oportunidade com as duas mãos”, diz Antonio.
“Estamos há pouco tempo aqui, mas já estamos aprendendo. Eu estou muito feliz por isso. A gente está tentando; é muito esforço”, completa.
Para a professora aposentada, as aulas também têm sido muito especiais. Ela resgatou os métodos que usava na profissão para ensinar os alunos e o resultado não poderia ser melhor.
“Está sendo muito bom. Eu estou vendo que eles estão indo bem, eles gostam e querem aprender. Isso é muito satisfatório para mim, é uma alegria. Eu fico feliz cada vez que venho, ensino alguma coisa e vejo que eles estão aprendendo. Eu volto para casa muito mais feliz”, conta Maria Nirce.
Para os três, a idade – dos alunos e da professora – é só um número. O que importa mesmo é a vontade de aprender e ensinar.
“Nunca é tarde para a gente fazer o que tem vontade. A gente tem que ir à luta. Eu nunca desisti do que tenho vontade; eu me esforço e faço. Quando eles me ofereceram essa oportunidade, eu falei ‘não vou perder, né?’”, diz Laurita.
“O que eu mais quero é vê-los satisfeitos, escrevendo, lendo, entendendo. E depois que sigam em frente, não podem parar. Eles são novos e têm muito tempo ainda. Tem que continuar estudando, seja comigo ou em uma escola”, afirma Maria Nirce.
Além da escrita e leitura, a professora afirma que a matemática também faz parte do cronograma e deve ser ensinada em breve.
Falta de oportunidade
Laurita é funcionária da limpeza no condomínio. Ao g1, ela contou que não pôde seguir nos estudos durante a infância porque precisava ajudar a família na roça, no estado da Bahia, onde morava.
“Com 7 anos eu já trabalhava na roça. Eu estudei pouquíssimo, só fiz o primeiro ano. Ia para a escola dia sim, outro não; às vezes ia uma vez por semana e tinha semana que não ia. Aí em vez de estudar, minha mãe preferiu que eu fosse trabalhar. Ela não pensou que o estudo seria um grande futuro para mim”, conta.
“A vontade de estudar era demais, mas minha mãe falava para mim e meus irmãos ‘hoje vocês não vão’. Fazer o quê? Tinha que obedecer. E com isso a gente perdeu a oportunidade de aprender”, completa.
Segundo Laurita, alguns irmãos estudaram na fase adulta, mas outros, assim como ela, não se aperfeiçoaram.
A história de Antonio, funcionário de serviços gerais, não é muito diferente. Mais velho de dez irmãos, ele também precisou abandonar os estudos na infância para ajudar a família na roça, no estado do Maranhão.
“Uns iam para a escola de manhã e ajudavam na roça à tarde, outros faziam o contrário. Mas a escola era particular, e nem todo mundo podia pagar. Às vezes íamos uns três, quatro meses e já não dava mais para pagar, porque era muita gente. Eu estudei uns sete meses quando era criança e parei por volta dos 6 ou 7 anos”, conta.
“Chegou um momento que os quatro irmãos tiveram que deixar os estudos e ir para a roça. As meninas conseguiram se formar; elas aprenderam algumas coisinhas. Os homens não tinham escolha, tinham que ir trabalhar.”
Carreira de professora
Já Maria Nirce se formou professora em 1966, em Poloni (SP). Nos anos seguintes, atuou nas chamadas “escolas isoladas”, que ficavam nas áreas rurais, em cidades do interior do estado.
“Eu usava cavalo para ir às escolas. Dava aulas de manhã para as crianças e à noite para os pais delas, por meio do ‘Mobral’, programa do governo federal. Eu levava o lampião de gás, colocava em cima do armário e ele clareava a sala”, relembra dona Maria.
Depois, já casada, se mudou para São Paulo (SP), onde lecionou para crianças durante o dia e trabalhou por 15 anos em uma favela para alfabetizar os alunos. À noite, as aulas eram para os adultos no município de Ribeirão Pires, na região metropolitana.
De volta ao interior, o último ano de trabalho foi novamente com crianças, em Nhandeara. “Foram 27 anos e meio como professora. As aulas para os adultos me deram muitos pontos, então me aposentei cedo, aos 48 anos.”
Contudo, Laurita e Antonio fizeram com que a professora resgatasse o amor pela educação e relembrasse com carinho do período em sala de aula - mesmo que ela seja improvisada em um quiosque.