De acordo com as propostas, pagando quase R$ 900 mensais, qualquer condomínio fica livre de pedintes ou mendigos

Primeiro, moradores de algumas ruas de Copacabana perceberam um repentino aumento da população de rua, com grupos de até 15 pessoas dormindo em frente a prédios residenciais e lojas. Depois, veio a surpresa: policiais ligados a empresas de segurança passaram a assediar síndicos e comerciantes, oferecendo solução para o problema. De acordo com as propostas, pagando quase R$ 900 mensais, qualquer condomínio fica livre de pedintes ou mendigos em sua calçada e pode contar com vigilância 24 horas por dia.

— É muita coincidência. De uma hora para outra, moradores de rua aparecem em frente aos prédios, e não são poucos. Em seguida, chegam policiais com ofertas de serviços de segurança. Achamos muito estranho — disse um morador da Rua Bolívar, que pediu para não ser identificado.


Relatos semelhantes se tornaram cada vez mais comuns em Copacabana: moradores contam que a situação se repete nas ruas Barata Ribeiro, Leopoldo Miguez, Professor Gastão Bahiana e Pompeu Loureiro. Ofertas de segurança privada no bairro não são novidade, o que mudou, segundo eles, é que policiais agora se propõem a combater quem dorme nas calçadas.

RECADO PARA SÍNDICO

Um síndico, que também pediu anonimato, contou ao GLOBO que chegou a receber um bilhete de policiais:

— Escreveram que minha vida vale bem mais que o preço da segurança privada.

Agindo de uma forma que se assemelha à das milícias, esses policiais começam a expandir suas atividades não oficiais pela Zona Sul. Moradores afirmam que, além de ruas de Copacabana, trechos de Ipanema, do Leblon, da Gávea e de Botafogo foram loteados por grupos de PMs e bombeiros. O assédio a síndicos e comerciantes inclui envio de e-mails. Porteiros dizem que também são abordados e se sentem pressionados — teriam a incumbência de convencer condôminos sobre a necessidade de contratar um serviço muitas vezes clandestino, pois empresas de segurança precisam de autorização da Polícia Federal.

— Meu edifício foi praticamente obrigado a contratar um desses serviços. O valor da segurança privada vem diluído na taxa de condomínio. Custa pouco para cada apartamento, mas lamento essa situação porque, como todo mundo, pagamos impostos para contar com a segurança do estado — reclama uma moradora.

A presidente da Associação de Moradores do Leblon, Evelyn Rosenzweig, diz que a atuação de empresas de segurança nas ruas da Zona Sul é uma realidade. Em seu bairro, boa parte desses serviços estaria a cargo de homens da PM e do Corpo de Bombeiros.

— Lembro de um caso complicado, no qual policiais chegaram intimidando, oferecendo o serviço para evitar assaltos. Mas isso tem muitos anos e nós denunciamos. Hoje acontece de outra forma. A Rua Sambaíba, por exemplo, tem segurança de policiais. Honestamente, não tenho um juízo de valor — afirma Evelyn.

O advogado Horácio Magalhães, membro da Sociedade de Amigos de Copacabana, destaca que a segurança nas ruas é uma atribuição do poder público. Segundo ele, há um aspecto preocupante no crescente número de policiais fazendo ofertas de serviços para condomínios.

— A segurança nas ruas está sendo privatizada. É isso que nós queremos? Só quem paga terá segurança pública? Os responsáveis por ela não vão atuar na sua rua se você não pagar? São questões que precisam ser discutidas pela população — alerta Magalhães, acrescentando que muitos condomínios que pagam pelos serviços não conhecem a lei.

— É algo perigoso. Vamos supor que um prestador de serviço, policial ou não, cometa uma ilegalidade, um crime. Ele será punido, mas o contratante também pode ser responsabilizado. Isso está na lei, e já aconteceu aqui mesmo, na Zona Sul.

CABO DA PM É SÓCIO DE FIRMA

O GLOBO conferiu um dos contratos oferecidos a condomínios da Zona Sul. O documento foi elaborado pela empresa Santa Vigilância, registrada como Santa Clara Serviços LTDA., que tem entre seus sócios o cabo PM Diego Sodré de Castro Ambrósio. A firma, de acordo com o site da Receita Federal, foi aberta em março de 2014. Atua em Copacabana. Ambrósio está lotado na Diretoria Geral de Pessoal (DGP) da Polícia Militar.

Oficialmente, o policial está cedido à Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos desde 2014. Naquele ano, o órgão era comandado pelo deputado estadual Pedro Fernandes Neto, hoje presidente da Comissão de Orçamento da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A Santa Vigilância teria contratos com nove condomínios apenas em Copacabana, cobrando R$ 880 de cada um. A empresa também oferece serviços extras, de caráter extraordinário, para os quais cobra R$ 25 por hora.

Em seus contratos, a empresa Santa Vigilância destaca que disponibiliza “o serviço de ronda, com funcionários uniformizados e identificados com crachá, bem como apoio operacional, supervisor e contato telefônico com a equipe e tudo mais para garantir o bom andamento do serviço”. O objetivo é claro: “dar maior sensação de segurança para condôminos e funcionários, inibindo a presença de mendigos e pedintes no referido local”.

“DAMOS APENAS APOIO NA PORTARIA”

Procurado na semana passada para comentar o assunto, Ambrósio negou que esteja oferecendo segurança privada a condomínios, serviço que sua empresa não está autorizada a fazer pela Polícia Federal.

— O que fazemos é dar apoio ao condomínio na portaria. Se moradores de rua estiveram na calçada ou atrapalhando a entrada de veículos, comunicamos o caso à Polícia Militar ou ligamos para o telefone 1746 (da prefeitura). Não fazemos serviço de segurança. Damos apenas apoio na portaria — diz o cabo PM.

Desde 2005 na Polícia Militar, Ambrósio conta que ficou dez anos no 19º BPM (Copacabana), antes de ser cedido, em 2014, à Secretaria estadual de Direitos Humanos, onde trabalhou para o deputado estadual Pedro Fernandes.

— Se vou à secretaria? Claro. Todos os dias. Estou lotado no setor de recursos humanos — afirma o cabo PM.

Ontem, Ambrósio enviou, por meio da firma da qual é sócio, um e-mail ao GLOBO em que garante não ter “envolvimento com qualquer empresa de segurança, legal ou clandestina, nem mesmo com a prestação de serviços de vigilância em áreas públicas”. Ele destaca que é “sócio quotista da empresa Santa Clara Serviços LTDA., totalmente legalizada para prestação de serviços terceirizados a condomínios residenciais e comerciais na cidade do Rio de Janeiro”. “Instalamos e fazemos a manutenção de sistemas de segurança eletrônica, conforme previsto no CNPJ da empresa”, acrescenta o cabo PM.

Na mesma mensagem, Ambrósio lembra que o Código Civil e o Regulamento da Polícia Militar asseguram sua participação “como sócio quotista, sem qualquer desvio de finalidade” e rejeita “supostas ilações de que a empresa remove mendigos”, já que não atua em logradouros públicos.