Locatário que teve contrato rescindido por problemas de convivência não deve ser indenizado
O pedido autoral de indenização foi julgado improcedente.
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Número do processo: 0735474-73.2020.8.07.0016
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
AUTOR: B. K. R. D. S.
REU: IMOBILIARIA CONSOLIDA LTDA - ME, RONNEY HEREDIA CERUTTI
SENTENÇA
Vistos, etc.
Versam os presentes autos sobre ação proposta por B. K. R. D. S. em desfavor de IMOBILIÁRIA CONSOLIDA LTDA – ME e CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SCRN 714/715 BLOCO G ENTRADA 45, representado pelo seu síndico, R. H. C., submetida ao rito da Lei nº 9.099/95.
A parte autora pleiteou (i) seja declarada a rescisão do contrato de locação por culpa da requerida, excluindo-se por consequência a incidência de débitos contratuais e (ii) a condenação do segundo réu ao pagamento de indenização por danos morais, em valor não inferior a R$ 5.000,00.
Frustrada a tentativa de conciliação (ID 79326243), R. H. C. apresentou contestação (ID 77929608) em que defendeu a improcedência dos pedidos formulados pelo requerente na petição inicial. Apresentou, ainda, pedido contraposto requerendo a condenação do autor ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$5.000,00.
A ré IMOBILIÁRIA CONSOLIDA LTDA – ME também ofereceu contestação (ID 80169759) arguindo sua ilegitimidade passiva. No mérito, pugnou pela improcedência dos pedidos autorais, mas não se opôs seja declarada a extinção da locação em face da desocupação do imóvel bem como pela declaração de quitação entre as partes, em razão do pagamento do aluguel devido pela seguradora.
Ato contínuo, o autor se manifestou em réplica (ID 80630269), refutando os argumentos apresentados nas defesas acostadas.
Em seguida, às partes foi oportunizada a apresentação de suas declarações e de até três testemunhas ou informantes (ID 81257358).
Em resposta, o síndico do segundo réu apresentou declarações por escrito de S. N. D. C., A. M. S. e T. D. S. L. (ID 83989418), bem como tal providência foi tomada também pelo autor (ID 87564098) e pela corré IMOBILIÁRIA CONSOLIDA (ID 88048096). Esta juntou também as declarações de D. D. S. C. (ID 88048100), K. R. M. (ID 88048102), L. G. M. N. (ID 88048107) e V. S. P. N. (ID 88048103).
Por fim, foi dada vista dos autos às partes para se manifestarem sobre as declarações juntadas, mas todos os litigantes quedaram-se inertes nesse particular.
É o breve relato (art. 38, “caput”, da Lei nº 9.099/95).
DECIDO.
Compulsando detidamente os autos, verifica-se que a pretensão autoral pode ser dividida em duas, cada uma delas a ser tratada pelas duas partes requeridas de forma separada, tendo em vista que há pedido de rescisão de contrato em face da imobiliária e de indenização por danos morais contra o condomínio.
Em relação ao primeiro tema, alega a Imobiliária ré ser parte ilegítima para responder pela pretensão autoral.
De fato, o contrato de locação ora guerreado (ID 80169760) tem como partes contratantes o locador E. A. E S. e como locador o autor, B. K. R. D. S.. Por sua vez, a requerida IMOBILIÁRIA CONSOLIDA LTDA – ME atuou tão somente como procuradora do locador.
Resta evidenciado, portanto, a ilegitimidade passiva ad causam da imobiliária para responder pela questão contratual relatada na petição inicial. Sua relação com o contratante é regida pelas regras do Mandato, previstas no Código Civil, em especial o art. 663, a qual dispõe: "Sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome do mandante, será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário pessoalmente obrigado, se agir no seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante.".
Desta forma, não pode a procuradora, no caso a imobiliária, responder pelas obrigações do mandante, no caso o dono do imóvel.
Ante o exposto, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva e JULGO EXTINTO O PROCESSO, em face da ré IMOBILIÁRIA CONSOLIDA LTDA – ME, sem resolução de mérito, com base no art. 485, VI, do CPC. Anote-se.
Não havendo outras questões preliminares para apreciação, passo ao exame do mérito, ressaltando que consta no polo passivo tão somente o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SCRN 714/715 BLOCO G ENTRADA 45, representado pelo seu síndico, R. H. C..
Por um aparente erro material, o feito foi autuado constando na parte ré tão somente o síndico R. H. C., quando a petição inicial estabelece a pretensão do autor em face do CONDOMÍNIO. Não obstante, até em respeito aos princípios da celeridade e da simplicidade, entendo que a defesa apresentada pelo síndico se aplica de forma escorreita também em face do condomínio, especialmente, pelo fato de o condomínio tomar decisões na pessoa do seu síndico. Não há, portanto, que se falar em cerceamento de defesa, sendo absolutamente desnecessária efetuar nova intimação das partes tão somente para corrigir o referido erro material.
Prefacialmente, em face da pandemia (COVID-19), não se tornou possível (pelo menos até que todos sejam imunizados) a realização de audiência presencial para produção de provas orais, em face do grave risco de contaminação que correm todos os envolvidos.
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Para a solução dos litígios que dependem de tais provas, restariam três soluções possíveis: (1) suspender o processo, até que se possa voltar a realizar as audiências presenciais com segurança; (2) a realização de audiência por vídeo ou (3) a apresentação de declarações das partes e de testemunhas/informantes, no prazo de 10 dias; em seguida, com abertura de vistas a ambas as partes para se manifestar sobre as referidas declarações das partes e das testemunhas/informantes, no prazo comum de 10 dias.
A primeira solução é inviável, pois entendemos que as circunstâncias impedem a realização de audiência presencial de instrução e julgamento e seu adiamento indefinido tão somente serviria para inviabilizar a prestação jurisdicional eis que não se sabe quando a pandemia (COVID-19) acabará. A vida continua e as pessoas e instituições precisam encontrar soluções factíveis e compatíveis com os problemas decorrentes do fenômeno epidemiológico que atingiu todo o planeta.
Por outro lado, no caso da audiência por vídeo, a dificuldade para garantir a isenção dos participantes é muito maior e mais cara, pois cada um dos depoentes (sejam as partes ou as testemunhas/informantes) deveria arcar com os custos de tais procedimentos, dificuldades por vezes tecnológicas e, ainda, assim não haveria a garantia de que os depoentes não estivessem sendo orientados pelas partes litigantes ou que as testemunhas/informantes não presenciem o depoimento uma das outras.
Dentro deste cenário, este juízo entendeu como menos prejudicial, mais segura e célere, para solução do conflito seria oportunizar às partes a apresentação de declarações de suas testemunhas e informantes (no máximo de 03 - por parte) e abertura de vistas as partes para se manifestarem sobre as aludidas declarações, eis que nesse caso, as partes, testemunhas/informantes, se identificam e assinam os termos, se responsabilizando, desta forma, por tudo aquilo que está escrito, seja de próprio punho, seja por meio impresso.
Diante de tais dilemas, a solução adotada apresenta-se a menos onerosa, mais célere e segura, para todos os envolvidos e, ainda assim, adequada para o fim a que se destina, como podem ser observados nos outros casos em que tal solução foi utilizada, e que pode seguramente ser aplicável no presente caso, diante das suas especificidades.
Por tal razão, entendo não ser necessário suspender, indefinidamente, o julgamento, o qual pode ser realizado com as provas produzidas, ressaltando que foram observados de forma absolutamente ampla o contraditório e a ampla defesa, dentro dos recursos disponíveis e que podem ser utilizados, efetivamente, no presente julgamento, com base no art. 2° (princípio da celeridade e efetividade ínsito), 5°(regras de experiência comum e técnica) e 6º (critério judicial da equidade) da Lei 9.099/95.
Acrescento que, a questão de fundo, se cinge, fundamentalmente, em analisar eventual responsabilidade civil das partes, sendo que as provas coligidas aos autos pelas partes são eficientes e suficientes para o deslinde da presente testilha.
Pois bem.
Alega o autor que firmou contrato de locação imobiliária residencial pelo período de um ano, iniciado em 04/02/2020; que bem antes do término do contrato, teve que se retirar do imóvel devido a acusações infundadas feitas pelo síndico do condomínio. Relata que em reunião realizada pelos moradores consignou-se em ata que havia um grande movimento de homens no apartamento do autor, tendo os moradores se queixado do barulho e da visita constantes de pessoas ao apartamento. O autor não nega a circulação de pessoas no seu apartamento, contudo, tais fatos ocorreram para fins diversos, eis que sua companheira, em face da pandemia, passou a exercer seu labor como massagista em sua residência. Aduz o autor que o síndico recolher assinaturas do abaixo-assinado às escusas, não tendo informado o autor sobre o fato. Diante de tal situação, o autor foi notificado pela imobiliária para desocupar o imóvel. Entende o autor que sofreu constrangimento e abalo em face das acusações efetuadas pelo réu, razão pela qual pretende ser indenizado pelos danos morais sofridos.
Por sua vez, a defesa apresentada pelo síndico do condomínio (ID 79929608) alega que desde quando o autor passou a morar no edifício, os moradores começaram a reclamar do barulho e da movimentação constante de pessoas. Aduz que uma das moradoras chegou a pedir providências ao autor, mas foi recebida de forma agressiva, passando desta forma, todos os moradores, a terem medo da reação do autor. Relata, inclusive, uma briga ocorrida entre o autor e um dos frequentadores do imóvel, que alegou ter procurado o apartamento do autor para fazer um programa, mas desistiu quando soube da presença do autor no imóvel. Em face do exposto, foi elaborado um abaixo assinado, assinado por quase todos os moradores do edifício, pedindo providências em face das ocorrências havida no apartamento do autor, que acabou sendo encaminhada para a Imobiliária, culminando com a rescisão do contrato. Em face do exposto, defende a improcedência dos pedidos autorais, ao tempo em que apresenta pedido contraposto.
Diante de tal cenário e analisando detidamente os autos, tenho não assistir razão ao autor em sua pretensão. Senão vejamos.
A situação descrita nos autos não revela qualquer ato ilício praticado pelo CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SCRN 714/715 BLOCO G ENTRADA 45, representado pelo seu síndico, R. H. C., que tão somente levou ao conhecimento da imobiliária relatos dos problemas de convivência que os moradores tiveram com o autor, em face da grande movimentação que ocorria no imóvel deste, por conta do seu exercício profissional. Tal atitude não deve ser vista como ilícita, mas ao contrário, um mero exercício regular de direito, eis que cabe ao CONDOMÍNIO (na pessoa do seu síndico) representar os moradores em seus anseios.
Quem vive em Condomínio necessita atentar para as regras de convivência. Se um grande número de moradores relata problemas com barulho e movimentação exagerada de pessoas em um Condomínio residencial, especialmente, em tempo de pandemia de COVID-19, onde a circulação de pessoas deveria se restrita, não há qualquer irregularidade se o condomínio pedir sejam tomadas providências para o restabelecimento de uma convivência pacífica entre os moradores, exatamente como ocorreu no caso em exame.
Desta forma, por não vislumbrar qualquer irregularidade ou ilicitude praticada pelo Condomínio ou pelo seu síndico, impõe-se o indeferimento do pedido autoral de indenização por danos morais.
No mesmo sentido, também, não deve ser acolhido o pedido contraposto, eis que possui natureza reconvencional, tendo em vista que os fatos alegados pelo réu são diversos daqueles relatados pelo autor. Aplica-se, por isso, o art. 31 da Lei nº 9.099/95, que não admite a reconvenção nas ações que tramitam sob o rito dos Juizados Especiais.
Forte em tais razões e fundamentos, JULGO IMPROCEDENTE o pedido autoral de indenização por danos morais e tenho por prejudicado o pedido contraposto, em face de sua natureza reconvencional.
JULGO EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO com esteio no art. 487, I, do CPC.
Em face da ré IMOBILIÁRIA CONSOLIDA LTDA – ME, repiso, JULGO EXTINTO O PROCESSO sem resolução de mérito, com base no art. 485, VI, do CPC.
Sem custas e sem honorários (art. 55, caput, da Lei 9.099/95).
Sentença publicada e registrada no PJ-e.
Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se.
ORIANA PISKE
Juíza de Direito
(assinado digitalmente)