Interpretação que conduz decisão judicial do STJ interfere nos lucros do Airbnb e implica novas regras a locatários que usam a plataforma
Um provérbio alemão, por vezes atribuído ao pensador Nietzsche, pode resumir a recente decisão do STJ que interferirá, no Brasil, nos lucros da plataforma “Air, Bed and Breakfast”, mais conhecida como o Airbnb, comissionada por cada negócio que intermedeia.
O provérbio, de uso popular inclusive por aqui, é o famoso “o diabo mora nos detalhes”, e nós podemos ler todas essas bem escolhidas palavras no caso analisado por aquela Corte.
Explico: O STJ entendeu que as convenções de condomínio podem proibir os moradores de locar seus imóveis por meio de plataformas digitais. Na ação apreciada pelo Tribunal, a prática caracterizava atividades comerciais e de hospedagem, que, no caso, eram vedadas pelo estatuto do condomínio.
A situação tem certos “detalhes” – eis aí a morada do diabo –, que precisam ser apontados: o primeiro deles é a legislação. De acordo com as nossas leis, a locação por temporada – com até 90 dias de duração – tem finalidade residencial, sendo regida pela Lei das Locações (ou Lei do Inquilinato), enquanto a hospedagem é uma atividade comercial.
O segundo detalhe é o modelo adotado pelos proprietários dos imóveis (requeridos na ação): de acordo com processo, eles chegaram a fazer reformas nos apartamentos para criar novos quartos e acomodar mais pessoas. Forneciam serviços (como lavagem de roupas), tinham alta rotatividade e os inquilinos concomitantes não tinham vínculo entre si.
Tudo isso levou a caracterizar a atividade como hospedagem, e não como locação por temporada, o que, por óbvio, foi o gancho para a decisão judicial. De acordo com o voto do Ministro Relator, vislumbrou-se no caso, um contrato “atípico” de hospedagem, proibido pela convenção do condomínio.
Poderia então ser esse mais um processo no meio das centenas de milhares que temos em trâmite no judiciário. Mas as implicações dessa decisão são muitas e financeiramente despertam o interesse do mercado. Veja, eu disse implicações!
O próprio Airbnb, admitido no processo como assistente, sustentou oralmente que o seu negócio "é a antítese da hospedagem", que carrega serviços. "Sem serviços, não há hospedagem". E foi além: discorreu sobre a importância econômica da plataforma, que girou em 2020 quase R$ 8 bilhões, perfazendo 23% da renda familiar dos anfitriões.
E agora? Estamos falando de renda familiar de muitos brasileiros. Estamos falando de investidores e de um negócio economicamente importante em um país aterrorizado pelo desemprego e falta de renda.
E agora? Quem aluga pela plataforma não vai mais poder fazê-lo?
Claro que sim! Você vai continuar alugando seu imóvel, desde que observe os detalhes – aqui está ele, o tinhoso, o canhoto, morando nos detalhes. Primeiro, certifique-se de que a convenção do seu condomínio não proíba expressamente o aluguel residencial de curta duração. Depois, quando anunciar nas plataformas digitais, não ofereça serviços adicionais que possam denunciar atividade de hospedagem. Por último, cuide para alugar para uma só pessoa ou uma família, evitando hospedes independentes ao mesmo tempo.
Qual a minha visão sobre o tema? Faço minhas as palavras da nota emitida pela plataforma: “A locação via Airbnb é legal e não configura atividade hoteleira. A decisão do STJ não determina a proibição da atividade em condomínios de maneira geral. Proibir ou restringir a locação por temporada viola o direito de propriedade de quem aluga seu imóvel regularmente”.