Não Vale a Pena
Vou contar um caso que atendi que sempre me entristece lembrar, mas vale a lição. Trata-se de uma briga de vizinhos que vem muito a calhar neste dia do síndico. Duas famílias foram prejudicadas, quando dois pais de família se envolveram num fato criminoso.
Aconteceu já há alguns anos. Fui procurado pela esposa do réu para fazer a defesa do seu marido. Os fatos transcorreram mais ou menos assim. Mudaram-se para o condomínio de edifício há mais de 15 anos atrás. Era o apartamento e o local dos seus sonhos. Um apartamento com quatro quartos, três garagens, uma piscina, duas churrasqueiras, o paraíso na terra. Investiram todas as suas economias e conseguiram quitar o imóvel.
Mudaram-se assim que o apartamento recebeu o “habite-se”. Foram os primeiros a residir. Assim puderam receber cada novo morador, que faziam com carinho, pois mandavam um bolo e cartão. Detalhe importante, era um apartamento por andar.
Finalmente veio a notícia. o apartamento acima do deles seria finalmente ocupado. Descobriram que se tratava de um casal jovem recém casado de um família tradicional da cidade, portanto, a princípio pessoas educadas.
Como de costume, meus clientes recepcionaram os novos moradores com um bolo de chocolate e um cartão de boas vindas e se colocaram à disposição para qualquer necessidade que possam ter.
Alguns meses se passaram e os problemas começaram a surgir. Como se tratavam de pessoas jovens e ricas, não eram afeitos ao trabalho, assim, dormiam tarde e consequentemente acordavam tarde. Faziam festas, de segunda a segunda, realmente incomodavam. Por vezes, os meus clientes se resignaram, chegou o limite.
O síndico advertiu conforme estatuto. Aplicou multa também conforme a diretriz condominial. Meus clientes, inclusive fizeram diversas queixas crimes de perturbação do sossego, houveram audiências no Juizado Especial Criminal e o casal foi obrigado a cumprir pena comunitária, mas infelizmente nada adiantou.
O Condomínio, ingressou com ação para expulsão do condomínio em razão do comportamento antissocial, que ainda se encontra em trâmite, e se espera o desfecho da justiça cível. Existe um precedente na justiça estadual de São Paulo.
Mas um certo dia, meu cliente, que tem um trabalho muito estressante, trabalha como diretor de produção em uma multinacional, chegou em casa, tarde da noite, cansado, exausto, quando adentra em casa e ouve o barulho e sente a vibração de um som grave de discoteca. Seu sangue ferve, sai pela porta, sobe as escadas, chuta a porta da frente do apartamento do vizinho, provocando sua queda, agarra-o pelo pescoço e desfere uma série de socos na sua face até que ele desmaia. Acabou contido pelos amigos do vizinho, que o deixam sair. Desce para o seu apartamento e se tranca. A Polícia é chamada e conduz meu cliente em flagrante.
Como se trata de um crime de lesão corporal, paga a fiança e é solto. Diante da denúncia sua esposa me procura e começamos sua defesa. No final do processo, meu cliente acabou tendo uma redução da pena em razão da situação que se encontrava.
O casal se mudou do prédio, pois a pressão foi tão grande que não conseguia, mais olhar para os vizinhos diante da situação vivida e, também, para evitar o risco de um processo de expulsão.
A lição que se tira é que conviver em sociedade não é fácil e conviver em edifícios é menos fácil ainda, então, para preservar a boa relação , não se pode levar a situação ao limite.
Autor: Marcelo Campelo, Advogado Especialista em Direito Criminal.