Conforme o STJ, animais domésticos não podem ser proibidos em condomínios, mas especialistas detalham regras para criação de pets em prédios
Quatro cachorros que vivem em uma cobertura no bairro Buritis, na região Oeste de Belo Horizonte, foram ameaçados de morte. Um bilhete com a coação, postado na caixa de correio dos tutores, traz dizeres como: "a partir de agora preparem-se para o pior".
Outro trecho adverte que Julie, Sheeva, Nina e Lua vão "pagar pela falta de respeito" dos donos. Responsável dos pets, Ana Amélia Braga e Braga, de 25 anos, garante que nunca recebeu queixas formais sobre a presença dos animais no condomínio.
Ela disse que chegou a conversar com todos os vizinhos do prédio, mas nenhum reclamou sobre os cães, três cadelas da raça border collie e uma shih-tzu de 14 anos, que por causa da idade avançada, não faz barulho. Por isso, acredita que a ameaça partiu de outra pessoa.
O bilhete anônimo, divulgado recentemente nas redes sociais, não foi o primeiro recebido pela tutora. Vários outros foram deixados para família. Câmeras de segurança do imóvel estão sendo analisadas para que, com as imagens do suspeito, o caso seja registrado na polícia.
Ana Amélia, que é advogada, reconhece que os cães latem, mas garante que nada que seja incômodo. "Sempre tem gente aqui em casa e, quando eles ficam agitados, nós os chamamos e repreendemos. Além disso, às 22 horas eles são colocados para dentro de casa e dormem comigo, no meu quarto", disse.
"Somos conscientes e não queremos tumultuar o bairro. Moro aqui há mais de 20 anos e não vou me mudar por causa disso. Esse tipo de ameaça é inadmissível", prosseguiu.
Ativista dos direitos animais há 40 anos e coordenador do Núcleo Fauna e Defesa Animal, Franklin Oliveira reforça que ameaçar cães, além de covardia, é crime. Na avaliação do militante, o bilhete também configura invasão ao direito de uso da propriedade. "Neste caso, embora não haja crime consumado contra os cachorros, há o crime de ameaça", pontuou.
O que diz a lei
A criação de animais em prédio, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não pode ser proibida. A exceção é quando os animais perturbam os vizinhos. Mas, nesse caso, segundo o presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Kênio Pereira, o incômodo deve ser comprovado.
"Reclamação sem fundamento não tem respaldo em juízo. Posso afirmar com tranquilidade que 90% dos animais não geram incômodo, já que estão cada vez mais socializados e adaptados com os seres humanos", detalhou.
No entanto, o advogado reforçou que ameaça é crime e está passível a punições. "A vítima tem que registrar ocorrência para se resguardar. Ameaçar animais é covardia. Cabe a pessoa que está sendo perturbada conversar com o tutor para contornar o problema", observou.
Deveres e direitos
O especialista em direito imobiliário lembra que as principais reclamações sobre a presença de cachorros em condomínios estão ligadas ao barulho e à falta de higiene. Kênio Pereira informou que os tutores devem obedecer o chamado "três S" - segurança, saúde e sossego.
Somente quando o animal causa incômodo, e que o tutor não toma providência, é que se aplica multa e, em casos extremos, a exclusão do pet do condomínio. "É o caso do cachorro que suja o prédio, estraga plantas e avança nas pessoas, e o tutor não cuida, limpa ou toma providência", explicou.
"Tem que ter um esforço do tutor de evitar reclamações e perturbação. Por exemplo, evitar elevador social com outras pessoas. Mas, em caso de incômodo, a pessoa deve comunicar ao tutor e ele tomar providência. Para levar ao juízo, só com provas", ressaltou.
A moradora ameaçada ainda não formalizou a denúncia para a Polícia Civil e por isso o caso ainda não é investigado. No entanto, a delegada Carolina Bechelany Batista da Silva, titular da Delegacia Especializada em Investigação de Crime contra a Fauna explicou que por causa dos bilhetes encaminhados à mulher, o suspeito pode responder pelo crime de ameaça.
"A princípio pelo que sabemos do caso, há um crime do artigo 147 da constituição penal que consiste em ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave", explicou. Para o crime a pena prevista é de um a seis meses de reclusão. Mas a delegada explica que somente com as investigações será possível falar ao certo sobre crimes e punições. A orientação é para que a dona dos cães procure a delegacia de Polícia Civil do bairro Buritis e registre um boletim de ocorrência.