Locatário que descumpre regra de isolamento corre risco de despejo
Os limites entre propriedade individual e convivência coletiva dos condôminos já causavam embates normalmente, e em meio à pandemia não tem sido diferente. Os conflitos, aliás, podem ter se tornado mais intensos. No final de maio, por descumprir regras de isolamento, dois locatários receberam ordens da Justiça para deixar os apartamentos em que moravam na cidade do Guarujá, São Paulo. Apesar de o caso ser exceção, especialistas garantem que ele abre precedentes para situações semelhantes.
Os dois inquilinos teriam realizado festas em seus apartamentos e insistido em utilizar as áreas sociais do condomínio, contrariando regras que têm sido adotadas para combater a contaminação. A advogada especialista em direito imobiliário Fernanda Andrade explica que o que aconteceu em Guarujá – e o que pode acontecer em outras situações – não é uma ordem de despejo definitiva, mas a suspensão temporária dos efeitos dos contratos de locação e, por consequência, do uso do imóvel.
"A Lei do Inquilinato especifica regras para o despejo. Entre elas, não existe o descumprimento de regras de convivência. Mas, segundo nosso Código Civil, a vivência em condomínio pressupõe que os condôminos utilizem a estrutura preservando o bem comum. E essa harmonia coletiva inclui questões de segurança e salubridade, onde pode se encaixar, nesse caso, o respeito às medidas de combate à contaminação", explica.
A advogada e vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados (OAB-BA), Layanna Piau, diz não ter dúvidas de que a decisão nos casos ocorridos no Guarujá podem abrir precedentes para que o mesmo ocorra em situações semelhantes. Andrade vai além e afirma que o caso pode servir de precedente não apenas para suspensão de contrato de locação em situações durante este momento de distanciamento social, mas também para casos após a pandemia, em que a saúde e a segurança da coletividade sejam colocadas em risco.
Os casos no Guarujá aconteceram em um momento em que o Senado aprovou o Projeto de Lei nº 1.179, que proíbe o despejo de inquilinos por atraso de aluguel, ausência de nova garantia ou fim do prazo de desocupação durante a pandemia. O projeto aguarda ainda a avaliação da Câmara dos Deputados. Layanna Piau explica, no entanto, que a decisão pela suspensão do uso do imóvel é de ordem emergencial, até que o processo chegue ao fim. "Porque não faria sentido aguardar e colocar todos os condôminos em risco".
Quem recorreu à Justiça, no condomínio do Guarujá, foram os proprietários dos apartamentos. Segundo Andrade, esse é um direito do locador. "Se o locatário está usando o imóvel de uma forma que o proprietário não concorda, abusando do que foi acordado, ele pode recorrer à Justiça. O condomínio, no entanto, ao fazer isso, poderia estar violando a relação entre locador e locatário".
O síndico profissional Rildo de Oliveira conta que resta aos gestores dos condomínios apelar para o bom senso e para a conversa. "Dependemos dos decretos estaduais e municipais. Gostaria muito de, por exemplo, multar quem sai nas áreas comuns sem máscara, mas se não há decreto para isso, não posso fazer". Nesse período de pandemia os síndicos ganharam, no entanto, alguns poderes a mais.
O presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-BA), Kelsor Fernandes, explica que os gestores de condomínios podem determinar o fechamento de áreas comuns, assim como regular alguns comportamentos dentro do condomínio. O primeiro passo a ser dado quando o morador viola essas medidas é usar o regulamento e a convenção, e a partir daí punir o condômino infrator: primeiro com uma advertência, seguido por uma multa caso a situação se repita e em último caso, acionar a polícia.
Proteger o coletivo
"A reclusão é muito complicada. As pessoas ficam estressadas e sentem falta das atividades que faziam antes, mas isso não dá direito a ninguém de descumprir as determinações adotadas, principalmente quando elas existem para proteger o coletivo. E ainda há os chamados negativistas, que se negam a aceitar o perigo que o vírus oferece", afirma o presidente do Secovi-BA.
E mais: em casos de festas, como teriam acontecido no condomínio do Guarujá, o síndico tem, segundo Kelsor, autonomia para permitir que policiais entrem e impeçam a aglomeração. "Ele tem poder para isso". A síndica profissional Nina Noronha conta que não precisou chegar a esse ponto ainda e que a maioria dos moradores dos condomínios nos quais ela é síndica tem seguido as medidas. O descumprimento com que Nina se deparou até agora foi com relação ao decreto da suspensão de obras.
No período do ocorrido, o decreto do prefeito permitia apenas obras de caráter emergencial. "E ainda assim o morador insistiu e ameaçou acionar a Justiça. Então solicitei que ele aguardasse um período de 15 dias para analisarmos a situação e uma possível liberação", explica. E mesmo sem ter ideia, a síndica acabou ponderando a situação seguindo as regras do decreto mais recente (3 de junho) do prefeito, que voltou a permitir as obras em condomínios habitados, desde que ela tenha a aprovação do síndico.
E esse tem sido o melhor caminho: caso sinta que precisa quebrar alguma das determinações, a melhor opção do morador é o diálogo. "Um bom exemplo disso aconteceu em um condomínio no litoral norte em que sou síndica, onde liberei o acesso à piscina para dois moradores, que alegaram precisar fazer exercícios por problemas de saúde. Avaliei a situação e dei a autorização para que usassem, separadamente, a piscina das 5h às 7h da manhã, com a supervisão do segurança", ela conta.