Segundo os especialistas, orientações das autoridades sanitárias e o Código Civil dão respaldo a síndicos para proibirem festas em apartamentos e circulação de corretores em condomínios por causa do coronavírus
Temendo o relaxamento da quarentena em São Paulo e o "efeito Gabriela Pugliesi" entre os condôminos, prédios e condomínios residenciais da capital paulista e do interior do estado têm proibido que moradores recebam visitas, autorizem entrada de corretores e compradores ou até a realização de festas privadas, como aconteceu com a influencer digital.
Pugliesi fez uma festa em casa durante a quarentena e foi muito criticada nas redes sociais por vizinhos e seguidores por desrespeitar o isolamento social. O encontro em plena pandemia gerou prejuízos e várias marcas que apoiavam a influencer suspenderam contratos de publicidade com a moça, que deixou temporariamente as redes sociais em virtude do episódio.
Após o caso da influencer, diversos relatos foram compartilhados nas redes sociais denunciando vizinhos que promoveram festas durante o período de isolamento. Para evitar casos semelhantes, na capital paulista um condomínio da Rua Oscar Freire, região dos Jardins, pregou nos elevadores um comunicado pedindo obediência a lei do silêncio e também orientando os moradores e evitarem visitas e festas nas unidades residenciais durante o período de pandemia.
“Com isso pedimos colaboração nesse momento que exige de todos nós respeito e bom senso”, afirma o comunicado do síndico do edifício.
“Nós não fomos orientados a proibir ninguém de entrar, mas se houver algum indício de festa em algum dos apartamentos, a orientação é avisar o síndico, para que ele tome providências”, afirma um dos porteiros do edifício da Oscar Freire, que não quis se identificar.
A orientação do síndico teve apoio de boa parte dos moradores, principalmente entre os que estão no grupo de risco para o coronavírus.
“Acho uma atitude correta, porque em um momento como esse é preciso ter cautela e cuidados com os idosos e doentes que moram aqui. É hora de todos terem solidariedade e empatia, porque estamos em quarentena por um problema sério de saúde pública. Visitantes desconhecidos podem trazer o vírus para dentro do prédio, contaminando os moradores através dos elevadores e das áreas comuns. Cada um precisa estar na sua e se isolar”, afirma a professora Nilce Nicola, que mora do edifício da Oscar Freire.
O desenvolvedor Bruno Guimarães, de 26 anos, também é morador do mesmo prédio e afirma que a medida é correta nesse momento de emergência, mas que esse tipo de decisão precisa ser definida pelas autoridades municipais para evitar conflitos na vizinhança.
“Vejo a determinação com bons olhos, mas acho que o condomínio não tem poder para legislar sobre a vida privada das pessoas. O ideal seria esse tipo de determinação vir do poder público para evitar confronto entre vizinhos”, avalia Guimarães. "Acompanhei o que aconteceu com a Pugliesi e achei um absurdo. Ela que prega a saúde e a qualidade de vida deveria dar o exemplo", completa.
A proibição de receber visitas e serviços também foi imposta em um condomínio de quatro torres no bairro do Limão, na Zona Norte de São Paulo. No comunicado emitido aos moradores, o síndico do afirma que "visitas de todo o tipo serão bloqueadas na portaria".
"Não adianta marcar que será bloqueado na portaria. Não entra ninguém e não temos data de liberação", afirma o síndico.
O gestor de projetos Felipe Tau, que divulgou a decisão do edifício nas redes sociais, comemorou o ato: "Não é o momento da gente retroceder um milímetro no combate ao coronavírus. É uma decisão acertada, especialmente porque o Limão já tem 34 mortes por coronavírus na Zona Norte. Estamos em um momento muito perigoso", argumenta.
Valinhos, interior de SP
Na cidade de Valinhos, no interior de São Paulo, um condomínio localizado no Jardim Bom Retiro, resolveu ser ainda mais radical e proibiu qualquer pessoas estranha nas dependências do conjunto de edifícios no período de pandemia.
Além das visitas e das festas, o condomínio também proibiu a realização de mudanças de inquilinos novos, vistorias e a visita de pessoas interessadas em alugar as unidades vazias dos edifícios.
"Várias pessoas foram multadas já por entrarem com visitas escondidas nos carros. Mas as câmeras pegaram e elas foram multadas", conta o zelador.
“Entendo que durante a pandemia é importante adotar medidas para coibir o abuso, as aglomerações e a realização de festas. Mas é muito radical proibir até serviços de entrarem no condomínio. Prejudica o morador que precisa de um reparo em casa e até alguém que perdeu o emprego e vive de pequenos serviços, como encanador e pintor, para conquistar algum dinheiro”, diz a dentista Camila Mendes.
Camila é proprietário de um imóvel no local e desde que a última inquilina se mudou, por ter perdido o emprego em virtude do pandemia, a dentista não consegue vender ou alugar o imóvel, porque o condomínio não deixa que interessados entrem para ver o apartamento.
“Meu marido foi outro dia acompanhar o corretor e um rapaz interessado em comprar o imóvel, mas eles foram impedidos de entrar no prédio por causa das restrições”, conta Mendes.
A dona de casa de Patrícia da Rocha, que vive no mesmo condomínio de Valinhos, acha que a proibição de festas e visitas nesse período crítico evita que as pessoas desrespeitem a quarentena.
“É preciso pensar na segurança e na saúde de quem mora nesses locais e infelizmente há pessoas que não entenderam que quarentena não é período de férias”, afirma.
Proibição de festa na lei
Segundo o advogado especialista em condomínios Márcio Rachkorsky, nesse momento de pandemia do coronavírus, os decretos do poder público para conter o avanço da doença empoderaram os síndicos no que diz respeito à proteção coletiva dos condôminos.
De acordo com ele, é permitido aos condomínios proibir festas e aglomerações mesmo nas áreas privadas, por causa da circulação de pessoas nas áreas comuns dos edifícios.
“O síndico tem bastante poder nesse momento para, em linha do que diz o governo de São Paulo e a quarentena, restringir bastante as atividades do condomínio. Ele tem que se pautar, contudo, pelo razoável e pelo bom senso. Tem coisas que a gente determina, assim como tem coisas que a gente recomenda. Em relação a festas, pode proibir sim. Deve proibir, aliás. E se perceber que está tendo uma festa dentro do apartamento, tem que mandar parar e chamar a polícia em último caso”, afirma Rachkorsky.
O argumento do advogado é que a realização de festas e a presença de grande quantidades de pessoas pode contaminar elevadores, escadas, etc, e colocar em risco a saúde de quem mora no edifício.
O professor de Direito Civil e Processo Civil, Arthur Zeger, afirma que o artigo 1.336 do Código Civil brasileiro garante o direito do síndico de zelar pela salubridade dos condomínios, especialmente nesse período de isolamento social.
“Os poderes do síndico dependem de cada convenção de condomínio. Mas em um período especial de pandemia como o de agora, a lei permite que ele possa tomar a decisão de zelar pela salubridade dos espaços comuns de forma unilateral, desde que informe os demais condôminos e publique a decisão para que que todos tenham ciência da determinação”, afirma Zeger.
Sobre receber visitas, os especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que é um controle difícil de se fazer, especialmente porque algumas pessoas precisam de auxílio de familiares e amigos de fora, principalmente idosos e pessoas do grupo de risco para coronavírus.
“Nesse momento, tudo que tem sido feito nos condomínios é motivo de discussão jurídica e ninguém tem absoluta certeza de nada. Não dá para cravar o que é legal e o que é ilegal. Mas proibir visita é muito complicado, porque há familiares que precisam visitar os pais, etc. O ideal é sempre usar o bom senso”, afirma Rachkorsky.
Corretores e novos inquilinos
Baseados no decreto da Prefeitura de São Paulo que proibiu todos os serviços não essenciais durante o período de quarentena na cidade, autorizando apenas os serviços considerados essenciais para a vida das pessoas, como farmácias, supermercados e serviços médicos, de transportes, etc, os advogados afirma que a circulação de corretores de imóveis também pode ser restringida pelos condomínios.
“Corretagem não é uma atividade essencial para a cidade ou para as pessoas. Mudança sim, é essencial. A pessoa precisa entrar ou sair por algum motivo e não tem outro jeito, dá para resolver de um jeito mais pontual. Agora, corretor, nesse momento eu tenho proibido em todos os prédios que cuido”, diz Márcio Rachkorsky.
O professor Arthur Zeger concorda com a opinião, mas diz que é possível avaliar a situação de cada edifício.
“Um prédio pequeno, que tem apenas uma torre, é mais fácil liberar o acesso, porque são poucos apartamentos em oferta. Mas no caso dos condomínios com cinco, seis, dez torres, é muito comprador, locatário ou corretor circulando nas áreas do prédio. Proibir pode ser a melhor maneira de fazer o controle. De maneira geral, se você abre exceção para um apartamento, todos vão querer. Então, as normas precisam ser únicas”, afirma.
Os dois advogados afirmam que, de forma geral, a legislação é vaga sobre todos os assuntos que dizem respeito à pandemia de coronavírus no Brasil dentro dos condomínios. Para deixar claro os limites e atribuições dos síndicos durante esse período, o Senado Federal aprovou no último dia 3 de abril o projeto de lei 1.179/2020, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-/MG), que suspende temporariamente leis do Direito Privado enquanto durar a epidemia do coronavírus no Brasil, dando plenos poderes aos síndicos nessas decisões.
A proposta foi aprovada de forma unânime pelos senadores e o texto está agora em tramitação na Câmara dos Deputados, mas ainda não tem prazo para ir ao plenário virtual para votação.