Um conto da vida em condomínio
Algo bem inusitado aconteceu essa semana. Eu caminhava pela garagem do condomínio muito satisfeita com o novo bicicletário. Um investimento razoável em termos financeiros, mas que nos rendeu muito mais vagas, além de ser moderno e ocupar pouco espaço.
Não há mais desculpas para deixar bikes espalhadas pela garagem. Sem contar o risco, caso ocorra algum sinistro. Em caso de furto, nenhum seguro paga bicicletas que não estejam devidamente guardadas e trancadas.
O Sr. Nestor do 104 torre B, chegou e quis saber se haveria uma quantidade de vagas por apartamento, já que, segundo ele, alguns têm muitas bicicletas e, ainda segundo ele, os mais folgados acabam escolhendo as melhores vagas e nunca pensam nos demais.
Expliquei a ele. Regras devem estar contempladas no Regimento Interno. Ele continuou argumentando e gesticulando. Chegou também a Sra. Claudia, da cobertura da mesma torre e ao entender que o assunto eram regras justas ou injustas, emitiu sem cerimônia sua opinião.
- Não é justo também que eu pague multa equivalente ao valor da taxa de condomínio. Por mais que minha unidade seja maior, minha taxa também já é bem maior. Se eu cometer uma infração – continuou sem tomar fôlego – vou pagar muito mais que os outros e o peso da infração será o mesmo.
- Além do mais – prosseguiu dominando a conversa – também não acho justo que eu pague taxa maior só por ter uma cobertura.
- Nossa forma de rateio é por fração ideal – tentei explicar.
Como neste condomínio, as queixas se agigantam de uma hora pra outra, vi a Gisele do 501 se aproximando seguida pelo Jurandir, nosso zelador, e minha preocupação com a confusão que se armava foi ficando maior.
Ela nos ignorou. Passou direto e foi até uma bicicleta de criança, tipo cross. Jurandir atrás dela.
- Aqui está! Pode levar, ele vai aproveitar bastante.
O brilho nos olhos do zelador clareou a garagem toda.
- Vai dar certinho pra ele. Ele vai adorar com certeza.
Neste momento lembrei que ele tinha um filho, e que com certeza iria aproveitar muito a bicicleta, já que Lucas, o filho da Gisele já não cabia mais naquela bike.
- Feliz Natal! Façam alguém feliz e parem de reclamar!
Nestor e Claudia engoliram em seco. Entenderam bem o recado e saíram envergonhados. Estou até agora pensando na campanha que podemos fazer nesse natal. Arrecadar coisas que as pessoas não usam mais, mas que podem trazer brilho aos olhos de outras pessoas. Talvez esse seja o verdadeiro espírito de Natal.
Martinha Silva é escritora, graduada em Administração, especialista em Gestão de Pessoas e gestora condominial em Itajaí.