Entenda quais são os direitos e os cuidados que os síndicos e proprietários devem ter após a entrega do empreendimento
Assim como carros, televisores e eletrodomésticos, os empreendimentos também têm garantia para possíveis imperfeições que venham a apresentar, como problemas hidráulicos, elétricos, em acabamentos como pintura e revestimento, impermeabilização, isolamento acústico e rachaduras. O prazo começa a valer a partir do momento em que o proprietário recebe as chaves do imóvel finalizado, podendo variar de 90 dias a cinco anos, de acordo com o tipo de problema identificado na construção. Além disso, para edificações mais antigas, a prescrição para pleitear os direitos do comprador junto ao judiciário, em casos comprovados de vícios ou danos construtivos, pode chegar a dez anos, contados após a data de emissão do Habite-se.
De acordo com a advogada Carolina Pavão, especialista em direito imobiliário, no ato da entrega do imóvel o sentimento de alegria é tão contagiante que as pessoas têm a tendência de esquecer alguns direitos importantes. Mas, independentemente da situação, toda a negociação está assegurada pelas inúmeras normativas que regem o processo e tem caráter de regular, assegurar e padronizar procedimentos da construção civil. Por isso, é fundamental ficar atento a toda a documentação. “A garantia dá a segurança de que reparos como colocação de piso, impermeabilização ou encanamentos, por exemplo, sejam realizados em benefício do morador e pagos pela construtora. No caso específico de patologia (defeito/vício) construtiva, os primeiros documentos solicitados para análise são: Memorial Descritivo, Manual do Proprietário, Convenção Condominial e Regimento Interno. Eventualmente, também são exigidas atas de Assembleias, plantas e o As Build”, comenta.
No que tange à parte legal, dependendo da origem do caso, a análise pode ser orientada pelas determinações que constam no Código Civil, Código de Defesa do Consumidor (quando relações de consumo), Código de Obras do Município, Lei 4.591/1964 pertinente às incorporações imobiliárias e condomínios e, mais especificamente, as NBRs. “Algumas das normas técnicas e de desempenho que mais utilizamos no dia a dia são a NR8, que dispõe sobre procedimentos a serem adotados na construção ou reforma de uma edificação para segurança de seus usuários, a NBR 15.575, a qual com base nas dúvidas e exigências dos usuários finais veio dispor sobre tempo de vida útil, garantias legais e contratuais, bem como veio a definir a responsabilização dos profissionais conforme etapa do processo construtivo, e a NBR 16.280, que dispõe sobre obras em condomínios”, explica a advogada.
Laudos técnicos
Em Florianópolis, a síndica profissional Rosemari Souza da Silva Gerhardt, que há 14 anos administra condomínios na região da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), já enfrentou alguns problemas junto a construtoras que apresentaram morosidade no reparo da obra. Entre os desafios, ela já teve de resolver desde pequenos defeitos aparentes na infraestrutura, em pisos e acabamentos, até grandes falhas de construção não perceptíveis, chamados de ocultos, que se tornaram um problema com o passar do tempo.
“Normalmente a primeira reação da construtora é tentar jogar a responsabilidade para o condomínio, mesmo tendo a garantia prevista em lei. Por isso sempre enfatizo a importância da elaboração de laudo técnico quando há alguma divergência, para que se tenham argumentos sólidos nas negociações e amparo em uma futura ação judicial. Os empreiteiros de forma geral não aceitam resolver o problema e não admitem que o problema exista. Nos casos que reivindiquei, obtive sucesso depois de muita negociação e notificação extrajudicial via cartório”, orienta.
Reforçando essa ideia, o engenheiro civil Marco Aurélio Alberton, membro da diretoria do Sinduscon da Grande Florianópolis - entidade de classe que representa a indústria da construção civil-, também aponta que nada substitui a vistoria técnica de um profissional qualificado, mas ele vai além.
“É preciso profissionalizar a administração dos condomínios, pois com o passar dos anos muita tecnologia, sistemas alternativos, mudanças climáticas e outros fatores foram introduzidos na obra ou afetam a edificação. O síndico deve se informar sobre os assuntos de maior complexidade do condomínio, participar de cursos, conhecer os sistemas da edificação, além de interagir com os prestadores de serviço. Uma obra é complexa e tem inúmeros sistemas se comunicando, que necessitam ser acompanhados diariamente”, avalia.
Além disso, ele destaca a necessidade de estabelecer um programa de manutenção como consta na NBR 5674 e estar sempre atento às necessidades de intervenção no início dos problemas, evitando assim o agravamento da situação.
Garantia
A cobertura da garantia é ampla e abrange desde problemas estruturais, que podem comprometer a solidez e segurança dos imóveis, a defeitos aparentes e ocultos, sendo que entre os principais sistemas da edificação estão: infra e supraestruturas, coberturas, vedações, pavimentações, impermeabilizações, esquadrias, instalações elétricas, hidráulicas e preventivas, revestimentos e pinturas.
De acordo com o perito e engenheiro civil Tiago Diel, para assegurar esse direito o condomínio deve ficar atento a algumas regras, ainda mais quando não há a cultura de contratar um engenheiro especialista que forneça uma assessoria na pós-entrega de empreendimento, tanto em relação às manutenções periódicas, quanto às inspeções prediais e uso das instalações.
“Estas condições resultam em perda de garantia perante a construtora, recuperações inadequadas tecnicamente, além de riscos aos condôminos na utilização da edificação. Por isso, é dever do responsável pela obra a entrega das orientações de operação, como consta na NBR-14037. As especificações devem constar no manual do proprietário, se for referente à área privativa, ou no manual das áreas comuns, se for das áreas comuns do condomínio”, explica o engenheiro.
Além disso, para Carolina que atua no direito da construção civil há oito anos, a elaboração e entrega da cartilha também assegura aos envolvidos transparência, orientações adequadas e previne discussões desnecessárias.
“Mesmo sendo de extrema importância a entrega do documento, verifica-se no dia a dia que são poucas as empresas de construção e incorporação que possuem esse hábito. E isso leva muitas vezes à necessidade de intervenção jurídica para tentativa de um acordo entre as partes (resolução extrajudicial) ou até mesmo a uma demanda judicial, sendo que os casos poderiam ser abreviados pela simples previsão de garantia expressa”, conclui.
Tipos e prazos
Todos os projetos protocolados a partir de julho de 2013 devem seguir as orientações da NBR 15.575, que apresenta normas e prazos específicos para equipamentos e sistemas construtivos. Já para os processos iniciados antes dessa data vale o que consta no Código Civil, que considera o prazo de cinco anos de solidez e segurança nas edificações, e também no Código de Defesa do Consumidor, que varia de acordo com o tipo de vício ou dano apresentado, podendo ser de 90 a 180 dias a partir da constatação do fato.
De acordo com Diel, os vícios aparentes são de fácil constatação, como pinturas com diferença de tonalidade e pisos trincados. Nesses casos a garantia é de três meses após a entrega das chaves. Já os ocultos podem ser percebidos ao longo do tempo, como o não funcionamento de tomadas e vazamentos em tubulações hidrossanitárias, e tem cobertura de até cinco anos, conforme o Código Civil, a partir da entrega do Habite-se ou seis meses após a constatação do fato, pelo Código de Defesa do Consumidor.
“Em casos de vícios ocultos mais sérios como infiltração generalizada ou estrutura com risco de desabamento, dependendo do comprometimento, o comprador pode solicitar a quebra de contrato e consequentemente a devolução do imóvel ao vendedor”, destaca o engenheiro.
Uma boa notícia para os imóveis mais antigos é que a responsabilidade do construtor pode ir além da garantia prevista no Código Civil. Se for comprovada uma falha ou defeito, que esteja afetando a solidez e a segurança do imóvel, comprometendo a parte estrutural ou de engenharia hidráulica ou elétrica, o proprietário pode requerer o reparo mesmo depois de vencidos os cinco anos.
“Já existem interpretações jurídicas que delegam à construtora o dever de comprovar que ela não tem responsabilidade em relação aos problemas construtivos identificados nos primeiros cinco anos. A partir desse prazo, o ônus da prova altera e passa a ser dever do condomínio comprovar a responsabilidade da empresa. Vale lembrar que muitas garantias de equipamentos e sistemas são de responsabilidade do próprio fabricante e devem estar descritas de forma clara e objetiva no manual”, esclarece Diel.
FIQUE ATENTO
(Fontes: Carolina Pavão, advogada, e Tiago Diel, engenheiro civil)