Juíza mandou tirar tela de proteção de janela de condomínio em Brasília. Ela está correta?
Para garantir a segurança de três crianças e três cachorros, uma família decidiu colocar uma tela de proteção na janela do seu apartamento, em Brasília. O pai só não contava com uma regra aprovada em uma assembleia do condomínio, de abril de 2016, que definia como deveria ser a instalação da tela e acabou afixando o dispositivo na parede externa, na fachada, o que tinha sido proibido. O condomínio reagiu e o multou. Ele, então, recorreu à Justiça e perdeu: a juíza de primeiro grau mandou retirar a tela, em sentença publicada nesta semana, sem nenhum tipo de perícia.
O caso deverá subir para instâncias superiores e tudo pode acontecer. A primeira notícia veiculada pelos meios de comunicação dava a entender que a juíza simplesmente tinha mandado tirar a tela de proteção – o que causou indignação em quem não conhecia todos os detalhes dos autos, já que a proteção à vida vem sempre à frente de qualquer interesse patrimonial. Mas, na verdade, ela apenas deu razão ao condomínio por multar um morador que não obedeceu às especificações de como a tela deveria ser instalada.
“Da leitura da sentença, é possível verificar que o condomínio havia deliberado em assembleia que as telas de proteção deveriam ser instaladas na parte interna do apartamento, sendo vedada a instalação na parte externa, apenas”, explica Bruno Schirati Guimarães, da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-PR.
“Ou seja, o morador poderia ter alterado a instalação existente, da parte exterior do apartamento, para o interior do seu imóvel. Não o fez, e por isso foi multado”.
A decisão, de acordo com Bruno Guimarães, atende o disposto no artigo 1.336 do Código Civil, que inclui, entre os deveres do condômino, “não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e das esquadrias externas”. Ainda que a manutenção da tela do lado externo do edifício cause a mínima alteração na fachada.
O que fazer para não ter problemas
Há vários motivos para frear a criatividade infinita dos proprietários quando propõem inovações nas fachadas dos edifícios. Além da possibilidade de desvalorização patrimonial, outras questões de segurança estão em jogo, como a instalação de artefatos muito pesados em sacadas que podem se soltar facilmente ou comprometer a estrutura.
Para não ter problemas, Alexandre Marques, vice-presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP afirma que, em primeiro lugar, o morador deve procurar o síndico para descobrir se há alguma regra para colocação da tela de proteção (ou outro dispositivo que queira instalar). Se houver, é preciso seguir a norma pré-estabelecida ou propor uma assembleia para a mudança de entendimento.
Caso o síndico não queira convocar a assembleia, o morador pode tentar reunir, ele mesmo, os condôminos para resolver a questão. Para isso, terá de reunir a assinatura de um quarto dos moradores para provocar a assembleia, independentemente da opinião do síndico. Se não for bem-sucedido, ele ainda pode entrar com uma ação judicial e conseguir que o juiz convoque a assembleia.
“O juiz não vai dizer o que o condomínio tem de fazer, ele vai determinar apenas que seja chamada a assembleia para tratar do assunto”, explica Alexandre Marques. “Claro que, provavelmente, a iniciativa do morador não será bem recebida pelo síndico e os moradores, se eles não quiseram fazer isso antes. Mas é um caminho que se pode adotar”.
Se na assembleia for aprovada uma mudança nas regras, os moradores que colocaram dispositivos com as normas anteriores podem mantê-los como estão.
Razoabilidade e proteção à vida
Se a juíza de Brasília tivesse, de fato, proibido a instalação de uma tela de proteção, com certeza a decisão seria modificada nas instâncias superiores. Isso porque a Constituição, em seu artigo 227, coloca como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a proteção da criança e do adolescente. Esse direito se sobrepõe a questões patrimoniais, como a preocupação pela estética e pelo preço de comercialização de um imóvel.
“A Convenção Internacional de Direitos da Criança e do Adolescente difundiu a chamada teoria da prioridade absoluta da criança. O artigo terceiro dessa convenção cita a necessidade e obrigação de todos de cuidar das crianças, porque são vulneráveis. Uma decisão [de proibir a instalação de telas de proteção] violaria direitos fundamentais, regras do Estatuto da Criança e do Adolescente e, também, o artigo 227 da Constituição Federal”, diz Anderson Rodrigues Ferreira, presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente, da OAB-PR.
A segurança vem acima de qualquer questão estética e patrimonial, desde que pautada com o bom senso. “No Rio de Janeiro é muito comum colocar telas e grades de proteção do lado de fora da janela, com armação de ferro, como uma gaiola, o que agride a estética da fachada”, exemplifica Alexandre Marques. Mesmo assim, em alguns casos, os tribunais têm dado razão aos moradores por causa dos perigos aos quais eles estão expostos.
Nesse sentido, no caso do apartamento de Brasília, o morador só teria razão se ele conseguir provar que não há outra forma de colocar a tela de proteção que não seja na fachada.
Bruno Guimarães, da OAB-PR, lembra que o artigo 1.336 do Código Civil deve ser aplicado sempre com proporcionalidade e razoabilidade. Alguns condomínios chegam a vedar uma série de atos, como a colocação de varais de roupas e bicicletas na sacada, chegando até a exigir a uniformização das cortinas, o que não atende à razoabilidade. Nesse cenário, vale o diálogo e o apelo ao bom senso para que o proprietário tenha liberdade para utilizar o seu imóvel do modo mais cômodo e funcional."