Para moradores da Vila do Pan, condenação de construtora pela Justiça não acaba com problemas
Quando comprou um apartamento na Vila do Pan, em 2005, durante o lançamento do projeto, o aposentado Joaquim Marques da Costa, de 71anos, não fazia ideia da dor de cabeça que teria pela frente.Seduzido pela oportunidade de morar numa das unidades ocupadas poratletas do Pan-Americano, na Barra da Tijuca, fechou o negócio. Doisanos depois, às vésperas dos jogos, o que se viu foi um pesadeloainda sem data para terminar.
Primeiro foi o afundamento das ruas doentorno. Em 2014, as garagens de alguns prédios, como o de Joaquim,também cederam. Nem a decisão da Justiça, publicada na semanapassada, condenando a construtora Agenco a consertar os danosestruturais dos imóveis e a indenizar os condôminos dá certeza deque os problemas estão perto do fim.
— É uma vitória, mas a gente ganha e não leva. Pelo que sei aAgenco está quebrada e os principais donos já morreram. Quem vaiarcar com nosso prejuízo? — indaga o morador, que hoje se dizfrustrado com a compra do apartamento, mas só não passa adiante,por conta dos amigos que fez no local e devido a desvalorização dosimóveis, provocada pelos problemas enfrentados nos últimos anos.
A decisão do juiz Paulo Assed Estefan, da 4ª Vara Empresarial do Rio, numa ação movida pela Comissão de Defesa do Consumidor da Alerj, condenou a Agenco a consertar todos os problemas estruturais daVila do Pan. Além disso, a construtora terá também de indenizar osmoradores por danos morais e materiais, que precisarão sercomprovados individualmente. O magistrado determina ainda que asobras sejam iniciadas 90 dias após o trânsito em julgado dasentença, ou seja, quando não couber mais recursos. No caso dedescumprimento da ordem, a empresa estará sujeita ao pagamento demulta diária de R$ 15 mil.
Entretanto, entre os moradores, tirando algumas exceções, asentimento não é de comemoração. Assim como Joaquim, FernandoRibeiro da Cunha, de 42 anos, subsíndico do Condomínio Grandes Lagos, também não tem esperanças de que a decisão judicial vásurtir algum efeito prático. Suas esperanças estão depositadas emoutras ações, ainda sem decisão da Justiça, que são movidascontra a Prefeitura, a Caixa Econômica Federal e o comitêresponsável pelos jogos.
— Ganhamos, mas não levamos. Há rumores de que a construtoraquebrou e seus ativos se pulverizaram. Com isso, acho difícil quealguém consiga receber alguma coisa. Essa é apenas umas das ações.Tem outras ainda em tramitação e o único ponto positivo dessacondenação é que ela pode gerar uma jurisprudência para futurasdecisões. Na verdade, é só um ganho moral que a gente teve, masnão creio que vá se traduzir em ganho real para os moradores —avalia.
Considerado um sucesso de vendas, o empreendimento tevepraticamente todos os seus 1.480 apartamentos, divididos por 17prédios, comercializados em menos de dez horas. Apenas cerca detrezentas unidades não foram comercializadas e, destas, pelo menoscem ainda estão vazias e, por conta de dívidas acumuladas com ocondomínio — algumas em torno de R$ 200 mil —, estão em vias deir a leilão. A inadimplência dos imóveis alugados também só fazcrescer. Muitos moradores só resistem no local pela dificuldade deconseguir um preço que consideram justo pelos apartamentos, que sófizeram desvalorizar com o tempo, apesar da boa estrutura doscondomínios, que contam com piscinas, saunas e salões de festas.
A maioria dos problemas ainda é visível. Na entrada do bloco 1,do edifício Los Angeles, um trecho da Rua Cláudio Besserman Vianna,está com o asfalto afundado. E, em frente ao edifício Vancouverparte do terreno onde está a caixa de energia cedeu, deixando aestrutura inclinada, com risco de desabar. Caso isso aconteça,segundo a síndica Scheyla Costa, os moradores vão ficar no escuro.
— No caso do afundamento da rua, o que menos importa é ovisual, mas problemas que tivemos também com o esgoto, por contadisso, já que a tubulação se rompeu. O próprio condomínio tevede gastar R$ 6 mil com a nova tubulação para não ficar com oesgoto aparente. A caixa de energia pode cair a qualquer momento. Jámandei ofício para a prefeitura, Light e Geo-Rio. Dizem que estãocientes do problema mas não fazem nada. Se a caixa afundar de vez osmoradores vão ficar sem luz. Só a CEG nos atendeu com relação atubulação de gás — afirmou Scheyla, que também não vê motivospara comemorar a decisão da Justiça. Ela contou que pagou R$ 255mil pelo seu apartamento, há seis anos, e hoje o máximo queconseguiria por ele seria R$ 210 mil.
As obras do entorno, a cargo da prefeitura, foram iniciadas em2015 e deveriam durar um ano, ma se arrastam até hoje. Em junho doano passado, a Secretaria municipal de Urbanismo, Infraestrutura eHabitação havia informado que “as reivindicações dos moradoressão legítimas, pois a situação da área é ruim” e que as obrasseriam retomadas no segundo semestre daquele ano, depois de umainterrupção de mais de um ano. Na época, o órgão alegou falta derecursos, já que a gestão passada havia deixado uma dívida de R$ 4milhões de intervenções já realizadas no local, sem recursos emcaixa para pagar.
Com as obras do entorno em andamento, os principais problemas seconcentram atualmente nas garagens que afundaram. No edifícioChicago, do Condomínio Grandes Lagos, parte do estacionamentosubterrâneo está interditado e com rachaduras nas paredes. Como arampa de acesso cedeu, a entrada dos veículos é feita pelo prédiodo condomínio vizinho. O subsíndico Fernando Cunha estima que sópara resolver o problema das garagens de dois condomínios da Vila doPan — Grandes Lagos e Todos os Santos — sejam necessários R$ 20milhões. Segundo ele, as torres de apartamentos não têm problemasestruturais, mas ele teme que elas também sejam afetadas, caso nadafor feito.
Procurada novamente, a prefeitura respondeu que: "atualmenteos serviços da segunda etapa em fase de finalização sãoconcretagem dos pisos, arruamento, calçamento, adequação da redede esgoto e captação e escoamento. O contrato assinado pela antigagestão e ainda vigente é de R$ 61 milhões. Deste total foramgastos até agora R$ 58.2 milhões. Resta o pagamento programado deR$ 1.8 milhões, que é feito em conformidade com a medição dasobras executadas. Em paralelo às obras que já acontecem outroprojeto é elaborado separadamente para a realização das obrasestruturais das garagens. Ainda não temos uma data para início. AVila do Pan foram inaugurada em 2007 para abrigar as delegações dospaíses competidores dos Jogos Pan-Americanos do Rio. Desde entãomoradores relatam o afundamento do terreno no entorno dos 17 prédiosque compõe o condomínio. O fato acontece porque obras foramexecutadas sobre uma área pantanosa sem o estaqueamento adequado dosolo para gerar a estabilização do terreno. Em 2011 deram inícioas primeiras ações para recuperar as ruas no entorno dosedifícios."
Advogados ou representantes da construtora não foram localizadospara comentar a decisão da Justiça.