Magistrada que atua em casos de violência doméstica afirma que é comum vizinhos não interferirem em conflitos conjugais, mas, quando isso acontece, o resultado costuma ser positivo.
A advogada Tatiane Spitzner, 29, foi encontrada morta no dia 22 de julho após cair do quarto andar do prédio onde morava, em Guarapuava, no Paraná. Seu marido, o professor Luís Felipe Manvailer, 29, é suspeito de tê-la matado e foi indiciado por feminicídio – quando uma mulher é morta pela condição de ser mulher.
Câmeras de segurança do prédio registraram uma sequência de agressões do marido antes da morte da advogada, na garagem e no elevador do edifício. No entanto, quando a polícia foi chamada, já era tarde. A BBC News Brasil ouviu Teresa Cristina Cabral Santana, juíza integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, para saber qual é o papel de vizinhos e do condomínio em casos desse tipo.
Ela diz que é comum que não haja qualquer intervenção, mas que, quando há, ela dá resultados. "Intervenção pode salvar uma vida", diz a juíza.
BBC News Brasil – A advogada Tatiane Spitzner foi agredida seguidamente pelo marido numa área pública do prédio. Não sabemos exatamente qual foi o comportamento dos vizinhos, mas tudo indica que não houve tentativa de intervenção. Em geral, qual é o comportamento dos vizinhos em casos de violência doméstica?
Teresa Cristina Cabral Santana – A observação dos casos que acompanho e pesquisas mostram que, em geral, os vizinhos não intervêm em brigas de casal. O que a literatura nos traz é que isso acontece por motivos culturais, é o velho ditado: "em briga de marido e mulher não se mete a colher". As pessoas se negam a comparecer na delegacia para prestar depoimento, se negam a ser testemunha das vítimas. De ordinário, a violência acontece no âmbito doméstico. As pessoas em geral acham que vai passar, que logo mais a briga vai acabar. Mas não vai, não passa.
BBC News Brasil – Essa intervenção surte que tipo de efeito?
Santana – A violência acontece longe do olhar estranho. Em geral, o agressor tende a parar quando há uma intervenção. Ela é profícua e precisa acontecer. Quando a pessoa percebe que está sendo observada, que tem testemunhas, que tem alguém que possa contar o que aconteceu, a tendência é parar ou diminuir, pelo menos.
BBC News Brasil – Como e quando vizinhos devem intervir em casos de briga de casal?
Santana – As pessoas se perguntam por que a vítima não reage. Temos que questionar por que houve a agressão, e não por que ela não reagiu. A vítima da violência doméstica, inserida no ciclo da violência, não consegue reagir. Muitas desenvolvem até síndrome do desamparo aprendido [situação em que vão sendo retiradas condições psicológicas para que a pessoa reaja]. Numa situação extrema, em que a mulher está sendo agredida, a intervenção tem que acontecer. Não é algo que o casal tem que resolver sozinho, entre quatro paredes. Bater na porta, chamar o porteiro, o síndico.
BBC News Brasil – Quais são os sinais de que é urgente intervir?
Santana – Um pedido de socorro, por exemplo, não pode ser ignorado. Em geral, a violência doméstica faz barulho. Há objetos quebrados. Tem uma série de coisas que vizinhos podem fazer: acender e apagar a luz, bater na porta, tocar o interfone. Pode-se avisar, chamar porteiro ou segurança para irem junto. No mínimo, os vizinhos têm que chamar a polícia. Se você ouve um pedido de socorro, não pode esperar para ver o que vai acontecer.
BBC News Brasil – Nem sempre há polícia perto. Também há lugares onde ela tem dificuldade de entrar, como em algumas favelas controladas por criminosos. O que fazer então?
Santana – Não podemos desistir das instituições. É preciso acreditar que algum caminho vai dar certo.
BBC News Brasil – E o condomínio, qual o papel dele?
Santana – Como qualquer cidadania, tem obrigação de intervenção ética, social, moral de evitar que uma morte aconteça. Criminalmente, não sei se procederia [responsabilizar o condomínio na Justiça].