Equipamentos sem manutenção, infiltrações, falta de higienização e o mau uso dos espaços pode gerar patologias ao edifício e afetar seus ocupantes
Apesar de pouco conhecida, a Síndrome do Edifício Doente (SED) é um fator recorrente na vida dos condomínios. Trata-se de conjunto de vários problemas em edificações que expõe a qualidade de vida dos usuários. Erros estruturais, problemas de impermeabilização, falta de manutenção e higienização e o mau uso dos espaços são alguns dos cenários que geram patologias ao edifício e afetam diretamente seus usuários.
A teoria da Síndrome do Edifício Doente surgiu na década de 1970 após estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS). Na ocasião, o aparecimento deinúmeros problemas de saúde entre os ocupantes de um mesmo ambiente chamou a atenção de médicos e da administração do prédio. Pesquisas foram aplicadas, e notou-se que boa parte dos sintomas eram comuns a todas as pessoas e, em alguns casos, a manifestação ocorria apenas quando o paciente estava dentro da edificação.
De lá para cá, os estudos sobre a interferência das edificações na qualidade de vida das pessoas se ampliaram. Porém, mesmo que os problemas já sejam conhecidos, muitas das situações se repetem. De acordo com dados de 2016 da OMS, cerca de 30% de todos os edifícios do mundo são doentes e consequentemente deixam seus usuários doentes também. Uma situação que pode ter origem em problemas construtivos, negligência, ou até na falta de informação das administrações de condominios.
Conforme o mestre em construção civil, arquiteto e urbanista Silvio Hickel Prado alguns dos sintomas de edifícios doentes aparecem com o passar do tempo. Para isso, é preciso sempre estar atento à manutenção do prédio. “A degradação é um processo natural. A falta de manutenção em componentes ou equipamentos existentes nas edificações também pode causar patologias não só na edificação, como também nas pessoas que utilizam essas edificações”, alerta.
É nesse momento que a saúde dos usuários também está ameaçada. O profissional ressalta que uma das patologias recorrentes de prédios é a infiltração.
“Sabemos que, ao longo dos dias, a umidade provocada por uma infiltração traz condições para o desenvolvimento de fungos, de parasitas e de mofo. Assim, além dela ser uma patologia da construção gera condições para o adoecimento das pessoas que ocupam aquela edificação, observa. Prado também reforça a importância do tratamento correto às infiltrações: “Se a umidade não for contida, ela acelera o processo de degradação da estrutura. Pode corroer a armadura e danificar a estrutura”.
As limpezas e manutenções em pisos e paredes também devem ser periódicas para garantir o desempenho das estruturas. O prazo para que elas aconteçam pode variar de acordo com o tempo de durabilidade do produto e as condições às quais a superfície é exposta. Contudo, uma inspeção total do prédio a cada cinco anos é a sugestão do especialista. “Fazer uma boa inspeção periódica antecipa possíveis problemas e garante um maior controle sobre a situação da edificação”, sugere.
A insolação e ventilação dos ambientes também afetam diretamente a qualidade de vida do prédio. De acordo com o arquiteto e urbanista, a baixa qualidade do ar é um dos principais fatores que levam um edifício a ser classificado como doente. “Um ambiente fechado e com baixa incidência de sol é um espaço propício à disseminação de vírus e bactérias, por exemplo”, expõe.
Para os casos de baixa luminosidade e pouca ventilação o especialista comenta que entre as soluções podem estar desde uma simples troca das janelas até modificações nas paredes para melhorar a luminosidade. No entanto, ele reforça a importância de se ter um profissional com habilitação técnica reconhecida, capaz de analisar e projetar as melhorias com a segurança e conhecimento necessários. “Antes de qualquer modificação é necessário buscar um laudo técnico. Só um profissional da área é capaz de avaliar as condições e propor soluções às patologias”, reforça.
Patologias Graves
Prado ainda revela que 45% das patologias são motivadas por falhas no projeto e 22% por falhas na execução. Entre elas estão, inclusive, projetos equivocados, ou com baixo nível de informação e detalhamento, dois cenários que demostram os riscos de não ter profissionais habilitados e capacitados durante a obra.
“O engenheiro ou o arquiteto e urbanistas devem estar na ponta dessa cadeia como responsáveis técnicos que pensaram e projetaram essa construção para que ela tenha um bom desempenho e não manifeste patologias graves. Mas tem uma série de outros pequenos fatores, que vão além da presença de um técnico e também influenciam o adoecimento do prédio”, comenta.
Segundo ele, as situações de perda de desempenho das edificações também estão relacionadas às formas de uso e à qualidade da mão de obra.
“De nada adianta um bom projeto, se quem executa não está capacitado para fazê-lo”, afirma. A recomendação é para que se procurem construtoras e equipes com acervo técnico e com capacidade reconhecida, principalmente quando o assunto for alguma remodelação nos usos dos espaços.
O arquiteto esclarece que para fazer modificações das caracteristicas de apartamentos ou salas comerciais, sobretudo em prédios mais antigos, é indispensável ter as plantas originais da obra. Caso contrário, o risco de provocar uma patologia grave é latente. “Derrubar paredes ou submeter a obra a um peso superior ao que foi previsto no projeto sem a necessária correspondência na alteração das estruturas são causas constantes de patologias e desastres como colapso total ou parcial das edificações. Nesses casos é imprescindível o olhar atento da administração do condomínio, a fim de orientar qualquer mudança que venha a ser feita”, enfatiza.
Já para os casos de modificações na utilização dos espaços, a atenção às informações originais da edificação também garante que problemas sejam minimizados.
“Se em um espaço que foi feito para abrigar uma familia resolvermos instalar uma academia, por exemplo, vamos precisar identificar se aquela estrutura tem condições de suportar o peso dos equipamentos, a movimentação das pessoase a acústica. Caso o local não esteja preparado para isso, é papel do arquiteto projetar essas soluções para que após uma reforma a academia possa funcionar lá sem causar danos ao prédio”, esclarece.
Revisões períodicas
A síndica Ana Maria Granzoto destaca que as revisões periódicas têm garantido a boa saúde do condomínio Solar da Bocaíuva, localizado no centro de Florianópolis. “A manutenção é diária e nos mantemos vigilantes, pois todas as áreas necessitam de cuidados. Desde uma boa dedetização com produtos que não afetem moradores, funcionários e animais domésticos, até a qualidade dos produtos que usamos para tratar a água da piscina. Tudo passa por supervisão rigorosa”, pondera.
Ela ainda assegura que a vigilância constante mantém o prédio distante de problemas estruturais e de infiltrações recorrentes do tempo. “Estamos sempre atentos à limpeza da caixa e cisterna, bem como à troca periódica dos filtros do sistema de filtragem da água e aparelhos de ares-condicionados das áreas comuns. Nos últimos 12 anos não tivemos nenhum problema grave graças à manutenção frequente”, argumenta.
Como alternativa para melhorar a qualidade de vida dos usuários do prédio, a síndica conta ainda que a administração aposta em estruturas naturais. “Investimos na área aberta com implantação de um paisagismo regenerativo. Projetamos em um espaço já existente a implantação de uma horta de temperos e chás para que os condôminos usufruam dessa área”, menciona.
Saúde dos moradores pode ser um sinal de alerta
Entre os sintomas mais comuns em usuários de edifícios doentes estão irritação nasal, ocular e da mucosa, pele seca, dificuldades respiratórias, fadiga, letargia, dores de cabeça e febre. O medico sanitarista e da família, Renato Figueiredo, comenta que a síndrome do edifício doente é um fator conhecido entre os médicos como condições insalubres. Ele ainda salienta que diagnósticos de reações alérgicas são os mais frequentes.
“Problemas alérgicos, problemas pulmonares e as síndromes respiratórias são as mais comuns. Isso porque, uma pessoa que já tenha um quadro de asma, por exemplo, vai ter um agravamento da condição ao ser exposta a essas condições insalubres de moradia”, relata. Segundo ele, o principal problema nesses casos se dá em função de problemas de ventilação, situações de bolor provacado por infiltração, falta de manutenção em ares-condicionados e uso de produtos tóxicos.
Porém, o médico ressalva que não só problemas alérgicos se manifestam. O barulho, um dos vilões na boa convivência entre vizinhos, é também uma questão importante quando o assunto é condições insalubres. “O barulho pode provocar a perda da audição e a irritabilidade nas pessoas. As pessoas se adaptam à essas condições de barulho constante e nem percebem que aquilo está provocando uma irritabilidade e interferindo nas relações pessoais, no cansaço, na cefaleia”, observa.
O problema é que dificilmente tais problemas de saúde são diretamente associados à patologias dos condomínios. Figueiredo aponta que a atenção dos médicos deve também estar associada às questões de insalubridade de moradias e ambientes de trabalho. “O médico precisa estar atento não só à condição clínica do paciente, mas também com o ambiente em que a pessoa mora e trabalha. A partir daí, ele pode fazer um diagnóstico de saúde ambiental e quando ele notifica isso ao paciente contribui para melhorar a condição de saúde da população”, afirma.