Cuidar do bairro é investir em segurança e bem-estar

Síndica e moradores transformam terreno abandonado em praça e horta, melhorando a qualidade de vida e reduzindo número de assaltos

 

Alguém caminha pela rua e tem nas mãos uma embalagem de um produto recém-consumido e quer se desfazer dela. Se o local estiver cheio de lixo, sua tendência será jogá-la no chão, sem muito peso na consciência, já que outras pessoas assim o fizeram.

Mas qual será sua reação se a calçada estiver limpa e bem-cuidada? Com certeza, essa pessoa pensará duas vezes antes de sujar o chão. De forma bem simplificada, esse comportamento resume a teoria lançada em 1982 por dois pesquisadores americanos - o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling - e conhecida por Broken Windows Theory, ou a Teoria das Janelas Quebradas.

No estudo, eles exemplificavam sua ideia com a janela de uma fábrica: se ela fosse quebrada e não consertada de imediato, quem passasse pelo local presumiria que ninguém se importava com aquilo e que, naquela região, não havia autoridades encarregadas em punir os responsáveis pela atitude antissocial. Estava construída ali a relação de causalidade entre desordem e criminalidade.

Sem nunca ter lido Wilson e Kelling, a síndica Rosemiriam Silveira, do edifício Alvorada, no bairro Abraão, em Florianópolis, colocou em prática os ensinamentos dos cientistas americanos. Em frente ao seu prédio, ficava um terreno abandonado, tomado pelo mato. Em formato de triângulo, era “limitado” pela Rua Pedro Andrade Garcia, Travessa João Acelino de Senna e Rua Bias Peixoto.

Bairro Abraao

Síndica Rosemiriam Silveira e Edson no espaço que estava abandonado e hoje atrai crianças e até moradores de outros bairros
Inseguros, os moradores evitavam caminhar pelas imediações, pois a área – com restos de fundação de um empreendimento imobiliário abandonado ainda no início – servia de dormitório, depósito de lixo e local para o consumo e tráfico de drogas. “Os assaltos eram frequentes”, lembra-se.

Há pouco mais de um ano, Rosemiriam decidiu que aquela situação não podia mais continuar e enviou uma mensagem pelo whatsapp para um grupo de vizinhos propondo que todos se cotizassem para a realização de melhorias no espaço. O retorno não foi muito animador, mas não impediu que as primeiras ações começassem a ser feitas, a começar pela limpeza do terreno. Depois, veio o ajardinamento e, por iniciativa do marido de Rosemiriam, a construção da horta.

As mãos experientes e dedicadas do engenheiro aposentado Edson Silveira fizeram vingar na terra carambolas, tomates, alfaces, mamão, bananas e vários tipos de tempero. Também há um espaço especialmente reservado para o plantio de ervas medicinais, que atrai pessoas até de outros bairros.

O terreno é particular. Mas os moradores se mobilizaram e conseguiram com a empresa proprietária do lote a cessão temporária da área - um aval que deu segurança para a continuação do projeto. Hoje, o espaço conta com balanço para a criançada e bancos e mesas, todos feitos com material reciclado. Ao invés de evitar o local, os moradores fazem questão de frequentá-lo, seja para conversar, passear com os cachorros ou apenas ouvir o canto dos pássaros.

“Na hora em que se requalifica um espaço, e pessoas de bem passam a circular por ele, a tendência natural é os infratores e usuários de drogas se afastarem e procurarem lugares mais isolados”, observa o morador Hélio Leite, que possui bastante experiência quando o tema é segurança pública. Ele é um dos fundadores do grupo de whatsapp criado no ano passado, em parceria com a Polícia Militar, que reúne comerciantes e comunidade do bairro Abraão visando à troca de informações em prol de uma segurança preventiva. “Um ambiente bem cuidado incentiva as pessoas a mantê-lo dessa forma. Já em um local degradado, a tendência é degradá-lo cada vez mais”, afirma Hélio, que é um defensor da teoria da “janela quebrada”.

O certo é que – após a revitalização da área e a transformação em praça – o número de assaltos na região diminuiu. Claro que houve outras medidas, como a própria criação do grupo de whatsapp, mas elas não teriam surtido efeitos se o local continuasse no estágio de abandono anterior. “A organização da comunidade é fundamental”, garante Hélio.

Administrar o novo espaço conquistado não é uma tarefa fácil. Edson Silveira, que dedica muitas horas a esse projeto, fica inconformado com a falta de participação de alguns e, também, com o desleixo verificado em relação ao lixo. Por causa de pessoas que entravam na horta e pegavam frutas ainda verdes decidiu-se fazer a colocação de uma cerca, com um portão de acesso. “É claro que o esforço compensa, mas não tem como evitar ficarmos um pouco chateados”, observa ele.

A assistente social Jane Braga, que mora também em frente à área e participa da iniciativa desde o início, considera que o processo de conscientização é lento e demorado. Mas otimista, acredita que aos poucos as pessoas percebem a importância da convivência comunitária e do respeito mútuo.