Dificuldade é ainda maior em prédios antigos que dependem de adaptações
Um ano se passou desde a entrada em vigor da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), e as pessoas com os diferentes tipo de deficiência ainda enfrentam muitos desafios no que diz respeito à habitação, um dos tópicos abordados no texto. Se os prédios novos e os equipamentos públicos estão cada vez mais adequados, os condomínios residenciais antigos, que correspondem à maioria das habitações, ainda caminham a passos lentos em direção a uma arquitetura mais inclusiva.
Cadeirante desde 2000, o economista Maurice Steiger vivencia situações indesejadas. Um deles aconteceu quando comprou o apartamento onde mora, na Barra. Ele adquiriu o imóvel na planta há quatro anos, após verificar que o projeto previa acessibilidade nas áreas comuns. Mas quando chegou a hora de pegar as chaves, a situação era outra.
— A área de circulação estava cheia de degraus. Busquei os responsáveis e disseram que nada poderia ser feito porque o projeto havia sido aprovado daquele jeito. Então, levei a questão aos outros moradores e mostrei que, se não fosse resolvido, o condomínio teria que arcar com os custos da adaptação posterior. Consegui, dessa forma, mobilizar a todos e forçamos a construtora a cumprir o prometido — conta ele.
Enquanto isso, no prédio da namorada de Steiger, em Ipanema, a luta é por uma portaria acessível para cadeirantes, para que ele possa acessar o endereço com conforto e segurança. Há um ano ela tenta aprovar uma intervenção do gênero junto aos outros condôminos, mas até agora não obteve êxito.
— Quando vou visitá-la, tenho que descer da cadeira e subir me arrastando pelos degraus. É muito constrangedor — relata Steiger.
A lista de aborrecimentos aumentou ainda mais quando ele e a namorada resolveram buscar um novo apartamento, onde planejam morar juntos.
— Já fui a um prédio que era descrito como acessível e isso significava entrar no endereço pela garagem junto com os carros. Também precisamos lidar com o despreparo dos corretores. Já fui visitar imóveis nos quais eu não tinha como entrar, e só descobri isso quando cheguei diante da porta do edifício — lamenta ele.
LEIS LOCAIS PREVALECEM
Segundo o integrante da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-Rio, Antônio Ricardo Correa, a LBI simboliza um marco social com a consolidação de todas as leis existentes sobre acessibilidade no país. Porém, quase todas as regras de construção são municipais, já que a Constituição Federal estabeleceu que cada cidade deve definir as regras urbanísticas e seus respectivos códigos de obra. Por isso, é fundamental que cada local crie, adapte e aperfeiçoe a sua própria legislação.
Ele explica que, no Rio, não se aprova qualquer projeto de construção sem o cumprimento de determinações de acessibilidade que envolvem, principalmente, regras sobre escada, áreas de circulação, tamanho das vagas de garagem, disposição dos elevadores, guaritas, acessos às garagens.
— Mas como uma legislação não pode retroagir para prejudicar quem já exerceu o seu direito, como no caso de edifícios construídos antes das determinações vigentes, a legislação estabelece regras mais brandas para esses casos. Com isso, a aplicação de parte das leis de acessibilidade se torna obrigatória apenas nas obras de reforma, como ampliação e mudança de uso — observa o advogado.
Para o presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-Rio), Cláudio Hermolin, ainda vai demorar alguns anos até que as determinações da LBI e outras normas sejam sentidas de maneira prática.
— Como o ciclo de produção do mercado imobiliário é muito longo, alterações neste sentido só começam a ter os seus resultados observados depois de cerca de três anos — prevê ele.
Ainda assim, ele acredita que a abordagem poderia ser mais eficiente. Seria o caso, por exemplo, de oferecer incentivos aos condomínios mais antigos para que busquem as adaptações.
— Essas obras, muitas vezes, são complexas e caras, já que reformar é mais difícil do que construir do zero. Para amenizar, poderiam ser oferecidos descontos em impostos como o IPTU para quem promove as mudanças — sugere ele.
Enquanto isso não acontece, quem precisa desses recursos acaba à mercê da boa vontade dos administradores. Como afirma Ricardo Gonzalez, diretor do Instituto Novo Ser, dedicado a pessoas com deficiência, ainda é muito difícil encontrar um prédio antigo adequado a todos os públicos.
O mais comum, segundo ele, é que os responsáveis façam as alterações apenas quando surge uma demanda específica. E ainda há o entrave de fazerem inadequadamente, como rampas com inclinações incorretas.
— Não há motivo algum para isso. A gente entende que a acessibilidade não é só para quem tem deficiência. Trata-se do conceito de um desenho universal, que também atenda a gestantes, idosos e obesos. Os administradores não podem ter esse comodismo de esperar a solicitação. Já imaginou o transtorno que é verificar se conseguiremos acessar todos os lugares que desejamos visitar? — questiona ele.
DIFICULDADES DENTRO DE CASA
Além das áreas comuns, também há as adaptações internas. Cadeirante desde 1997, a coordenadora da Seleção Brasileira de Ginástica Artística Feminina, Georgette Vidor, já chegou a gastar R$ 106 mil para a adequação de um apartamento em Correas, Petrópolis, que incluiu a instalação de um elevador interno, já que era um duplex. Segundo ela, um cadeirante que mora em um apartamento de 100m² precisa desembolsar entre R$ 10 mil e R$ 15 mil para fazer as intervenções mais simples.
O problema é que as alterações nem sempre são possíveis. No imóvel onde reside no Rio, por exemplo, ela não conseguiu ajustar todos os cômodos. Em função disso, há uma suíte e um banheiro que ela não pode acessar dentro da própria casa. Para evitar situações como essa, ela defende que as construtoras se antecipem a estas questões.
— Um caso clássico é a largura das portas. Não consigo entender porque ainda mantêm medidas tão estreitas que inviabilizam a passagem de uma cadeira de rodas em alguns cômodos — ilustra ela.
Para demonstrar a profundidade do problema, o conselheiro Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência Andrei Bastos lembra que minar esses empecilhos passa também pela formação dos profissionais que atuam na construção, como engenheiros e arquitetos.
— As universidades precisam adotar este tema como disciplina obrigatória para que mais profissionais cheguem ao mercado com essa consciência — defende ele. — Afinal, se a acessibilidade é incorporada no momento do projeto, isso não implica em nenhum gasto extra. Trata-se apenas de fazer a coisa da maneira certa.
A CRONOLOGIA DAS PRINCIPAIS LEIS
1987: A primeira lei de acessibilidade editada pelo município do Rio é a de número 1.174, que dispõe sobre a obrigatoriedade de construção de rampas de acesso a elevadores para deficientes em edificações.
2000: No âmbito federal, foi promulgada neste ano a lei 10.098, com intuito de que ar a construção, ampliação ou reforma de edifícios destinados ao uso coletivo, para que sejam executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis.
2001: Neste ano, foi editada a Lei Municipal 3.311, prevendo a obrigatoriedade de condomínios residenciais implantarem adaptações, de natureza ambiental ou arquitetônica, que possibilitem acessibilidade às partes comuns e de serviços, bem como à moradia de pessoas com deficiência.
2016: A Lei Brasileira de Inclusão que entrou em vigor no passado reserva o Capítulo V para tratar do direito à moradia digna para as pessoas com deficiência. Entre as novidades, o poder público se comprometeu a dar prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria aos deficientes nos programas habitacionais.